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José Augusto Vital de Gouveia (Gugu)

JOSÉ AUGUSTO VITAL DE GOUVEIA (GUGU)

serra do piloto

Nasci em 1951, morava no Rio de Janeiro e fui para Serra do Piloto com meu pai, que puxava carvão na década de 1950. Quando dividiram o fazendão, meu pai trouxe muita gente, inclusive o próprio pai, que tinha um sítio em Bangu. Ele comprou um lote do lado do pai e o irmão o do outro lado. Meu avô teve 52 netos. Meu pai e meu tio tinham caminhão e, nas férias, eles colocavam bancos na carroceria e levavam a família toda para a Serra passar 15 a 20 dias. De todos os netos, eu era o único que adorava ir para a Serra. Quando era criança, nas férias, pedia dinheiro para a mãe, fazia uma bolsa e pegava o trem até Santa Cruz; de lá, o Macaquinho para a Vila; na Vila, pegava o ônibus do Antonio Corteiro Portugal, que era um dos amigos portugueses de meu avô que vieram para a cidade na mesma época. Tinha o horário de descida às 6 da manhã e de subida às 18h. O tempo que eu tivesse de férias ficava na casa dos meus avós. Lembro que a estrada era linda, com calçamento de pedra, 14 quebra-molas invertidos, com a água correndo e caindo nas galerias. A água era constante, de janeiro a dezembro, que se perdeu devido ao desmatamento. Era toda de pé-de-moleque, tão bem assentada que o carro nem balançava. Quando o Antonio Padre morava com a irmã, tia dele, na década de 1960, ele tomava conta da garagem de alvenaria e fazia dali seu ateliê. Quando ele montava o presépio, vinham carrões da Zona Sul com máquinas fotográficas para registrar. Eu o ajudava. Ele fazia tudo de barro tabatinga, esculpido a mão. Eu ia com Antonio e os primos buscar tabatinga no sítio do tio Luiz, pai da Elza. Quando o avô não pôde mais trabalhar porque quebrou o fêmur, o Antonio Padre, que era primo dele de criação, foi tomar conta do meu avô e do sítio. Quando a minha família vendeu a primeira parte do terreno, o Antonio Padre foi pra igreja ser ministro de eucaristia, mas depois de uma briga com um padre ele foi morar no Macundu. Ele se tornou uma pessoa muito conhecida. Meus tios acabaram vendendo primeiro uma parte das terras e a de meu avô e, por último, a família vendeu a parte do meu pai, sobrando apenas uma chácara para mim. Com a morte do meu pai e do meu avô, fiquei muito tempo sem frequentar a Serra e, quando ia, ficava acampado com a família por uns dez dias. Naquela época, era tradição contar histórias de assombrações e quem mais gostava de contar histórias de assombração na Serra era o Toninho, filho do Antonio Portugal. Era uma figura com muita personalidade. Da região da Fazenda da Lapa, lembro que tem um cemitério de escravizados próximo e uma senzala também. Passei a morar na Serra e depois fui obrigado a voltar para o Rio de Janeiro por causa do trabalho e, quando me aposentei há dois anos, voltei. Hoje sou presidente da Associação de Moradores da Serra do Piloto.

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Ernestina da Silva Firmino

ERNESTINA DA SILVA FIRMINO

Ingaíba

Nasci na Ingaíba em 1939, em uma casa de sapê sem paredes, pois minha família era muito pobre. Comecei os estudos, mas a escola ficava longe, era preciso atravessar três cachoeiras para chegar, então acabei desistindo. Quando tinha 8 anos, meus pais e eu fomos levados para morar e trabalhar na Fazenda Santa Izabel e, durante muito tempo, continuamos morando em casas de sapê. Ainda criança, fui levada para trabalhar na casa de Seu Zé Miguel e Dona Maria, cunhada do Sr. Vitor Breves, em Copacabana, Rio de Janeiro. Quando eu errava alguma coisa, ela batia muito em mim, tirando sangue. Adolescente, tentei ir embora e Dona Maria não deixou, me batendo muito. Foi quando eu corri para a casa de Dona Tita, mulher do Sr. Vitor Breves, que me acolheu e me mandou de volta para fazenda, para trabalhar na casa de Dona Helena, filha do Sr. Mario. Na casa da Dona Helena não comecei a trabalhar como cozinheira. Não apanhava, mas o trabalho era muito duro. A família recebia convidados e todos ficavam jogando cartas até madrugada, e eu e outra funcionária, a Eurídice, tínhamos que ficar acordadas servindo a todos até que fossem dormir. Eu não recebia salário, só as visitas davam gorjeta na hora de ir embora da fazenda. Passei boa parte da vida assim, servindo como cozinheira na casa da fazenda, sem salário nem instrução. Aos 21 anos, em 1961, me casei com Manoel Firmino, também funcionário da família, nessa época, da fábrica da Bananada Tita. Foi quando eu pude começar a frequentar a escola do Seu Dinão, que ficava numa casinha acima da fábrica, perto da Dona Nair, onde finalmente fui alfabetizada, mas não fiz estudos formais. A vida era muito simples e muito dura. Só saímos da fazenda se fosse muito necessário e sempre a pé. Quando alguém ficava doente à noite, pedíamos ao Davi que levassem de caminhão ao médico. Trabalhei como cozinheira na casa sede ainda por muitos anos, até me aposentar. A família ainda mora no mesmo lugar. Minha casa é uma das únicas que tem luz elétrica. Isso permitiu que meu filho Marcelo pudesse trabalhar como artesão, esculpindo as madeiras que ele encontra caídas pela fazenda. Marcelo se casou e construiu a sua casa bem próxima, com madeira e barro. Com a venda da fazenda, vieram as ameaças e os conflitos. Passei a ter muito medo de tudo, tremer de medo, e ter dificuldade para dormir. Os quilombolas não sabem nem quem são os novos donos da fazenda porque nunca vieram conversar. Mesmo na audiência, só foi o advogado. As ameaças só abrandaram quando Miriam Bondim e Vânia Guerra começaram a ajudar e entraram com os dois processos que estão tramitando na Justiça. Foi só aí que o meu medo começou a diminuir, mas ainda não sumiu: quando ouço qualquer barulho já penso logo que pode ser tiro. Hoje estou um pouco mais esperançosa com o que estamos conquistando. O que mais gosto de Mangaratiba são os vizinhos.

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Sonia Tavares

Sonia Tavares

SITIO BOM

Nasci em 1957 em Sítio Bom, uma localidade da cidade a caminho de Conceição do Jacareí. Meu bisavô veio de Portugal em 1900 para trabalhar na casa dos Guimarães e, quando o bisavô morreu, seu único filho, Ovídeo Tavares da Silva, foi trabalhar para o Coronel Moreira da Silva, o primeiro prefeito da cidade, que o ajudou a se estabelecer. Ovídeo se casou com Maria Isabel e teve 14 filhos. Quando eu era criança, a área era realmente um sítio, herança dos avós aos pais e tios, com plantações de legumes, bananas, feijão, e criação de animais como gado e aves, que a família usava para consumo próprio e comercializava também. A banana era transportada do sítio para o Centro de canoa, e quando a quantidade era muito grande, ia um barco buscar. Tenho lembranças boas da infância, de brincar pelas ruas da cidade, e pelas praias, assim como na fazenda com os irmãos e primos. Tínhamos liberdade de entrar e sair, não tínhamos medo das pessoas, conhecíamos todos. Era uma outra paisagem, as casas ficavam abertas para todos. O Cícero ia sempre lá, era amigo da família. Nessa época, não tinha ainda a rodovia Rio-Santos, então para ir de Sítio Bom para o Centro só de canoa. Tudo o que a família produzia era levado para ser vendido na vila em canoa. A escolha de quando ir era sempre de acordo com a maré. O canoeiro sabia se a maré estava boa ou não para enfrentar o mar, principalmente por causa do vento. Meu tio sempre dizia que “ia à vila”, e só mais velha fui entender por que “vila”. A gente se sentava à mesa com meu pai e meus tios e eles contavam a história da família. Contavam muito a história do Brasil. Mas hoje em dia não se faz mais isso. As meninas iam para o campo jogar futebol junto com os meninos, tomavam banho de mar à noite, tomavam banho de cachoeira juntos. Não havia distinção entre meninos e meninas. Uma infância muito boa. Aos 7 anos, fui para o Centro estudar porque a escola lá era deficiente, muito pequena, com as idades todas misturadas. Fui morar com uma tia, irmã do meu pai. Dividia a infância entre o Centro e o Sítio Bom. Lá na roça vivíamos livres como passarinhos. A família é muito grande, são muitos tios e primos, então era uma comunidade só de parentes. Brincávamos muito, vivia na praia, curtia festinhas de família. Durante a época de escola, passava a semana no Centro e o final de semana em Sítio Bom. Fui aluna de geometria do Cícero. Na adolescência, passei a ficar mais no Centro. Depois cresci, casei e mudei de vez para a vila, onde me tornei professora, profissão que exerci a vida inteira. Hoje, além de dar aulas, temos um restaurante com meu filho, entre o Píer 51 e o Sítio Bom, chamado Prainha do Pinheiro. O comércio é dividido em dois espaços, um mais na encosta, mais recente, e outro mais antigo na beira da praia, herança da família, que foi reformado. Das memórias afetivas, sinto saudades do carnaval, além da festa da padroeira, esperada o ano todo, que enchia a cidade. Meus parentes de Sítio Bom vinham todos e dormiam na casa da minha tia, na vila, para aproveitar a festa inteira.

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