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LUCIANO DOS SANTOS CARIÇO

LUCIANO DOS SANTOS CARIÇO

MANGARATIBA - CENTRO

Nasci em Mangaratiba em 1953. Eu brincava muito nas ruas, nas praias. A Praia do Saco era um areal. Não precisava de muito para viver. Fiquei 37 anos morando fora da cidade, mas sempre voltava nos finais de semana e feriados, nunca me desliguei. Voltei em definitivo em 2011. Meus pais chegaram na cidade em 1940, recém-casados. Meu avô materno era português, técnico de explosivos em uma época em que o país não tinha essa qualificação. Ele trabalhava na empresa que construiu a estrada de ferro na cidade e era o responsável por abrir cortes nas pedras. Ele conheceu minha avó na cidade e tiveram um filho. Meu pai era comerciante, tinha restaurante em três pontos diferentes. Ele acabou se endividando e se desfez do comércio. Eu ajudava, era muito agarrado no meu pai. Minha família era de 13 filhos, todos nascidos em casa pelas mãos da Dindinha Mariquinha, que fez 14 mil partos em Mangaratiba e nunca perdeu um. Fui coroinha na época do Padre João. Assim como Dona Mariquinha, o Padre João nunca se recusou a ir aonde fosse preciso pra rezar missa e fazer batizado. Mesmo quando a pessoa não tinha dinheiro. Vicente e eu fazíamos todas as atividades da paróquia, inclusive lavar a igreja, preparar missa, colher lírios no charco que ficava ao lado do cemitério da Praia do Saco, onde hoje fica uma empresa de ônibus. Os coroinhas competiam para ver quem fazia mais pontos, que o Padre somava. Se aprontassem, perdiam os pontos e podiam tomar suspensão, que era ficar sem participar das atividades, logo, longe dos amigos. Dona Aida era a melhor doceira que a cidade já teve. Vicente e eu vendíamos esses doces, que saíam bem e eram muito concorridos. Os doces eram sonhos, cocadas. Eu parava na porta da sinuca, que eu não podia entrar, e gritava: Doce da Dona Aida! E a bandeja esvaziava e eu tinha que pegar outra. Era a mesma coisa na fila do cinema. Ela nos dava 20% do lucro e, se sobrasse doce, ela dava pros garotos. Eu vendia também Bananada Tita no trem, passando de vagão em vagão, anunciando. Vendia também na praia de Itacuruçá e de Muriqui. Em nossa época de garoto todo mundo tinha apelido, ninguém sabia o nome de ninguém, e o apelido vinha com uma referência, tipo Neném da Condinha. Meu pai era o Taverna. O pai do Tomaz era o Quebra-Coco, que fazia um pastel também muito concorrido. Ele era funcionário na padaria do Seu Zezinho e fritava o pastel que a esposa fazia lá. Havia uma banda da prefeitura chamada Sociedade Musical Oito de Setembro, também conhecida como Furiosa. Meu irmão tocava trombone. Todo domingo, depois da missa, tinha retreta (apresentação da banda) no coreto da praça. Todos sentados no jardim para assistir. Miriam conta que a retreta começa quando o trem chega. Na praia de Mangaratiba não tinha essa quantidade de barcos que tem hoje. Eram poucos pescadores, alguns barcos de transporte para as ilhas, Jacareí e Paraty. Lembro que abria os olhos embaixo d’água e via o fundo, os peixes ficavam cutucando os pés dos banhistas. No inverno, a gente se sentava na praia pra ver boto fazer evolução. As pessoas pescavam bons peixes no cais. Pescavam na Pedra do Lagarto. Na ponte, quando caía um pneu de amortecimento de barcos, as pessoas puxavam alguns dias depois e vinha um siri, guará. Lembro que as pessoas ficavam andando entre a igreja e a padaria, de um lado para o outro, conversando, esperando a hora da sessão do cinema. Com a chegada da rodovia Rio-Santos começou a decadência de Mangaratiba, porque permitiu o acesso a pessoas que não amavam a cidade como nós. Não ligavam para as tradições, traziam o que tinha de pior da terra deles pra cidade, e o entrosamento entre as pessoas foi diminuindo. Lembra que antes não tinha nada pra fazer nos finais de semana: faltava luz, chegava a ter rodízio entre Muriqui e Itacuruçá. E a gente ficava ali, sem luz, conversando. Com a chegada dessas novas pessoas, que se achavam superiores dizendo que ali “era uma província, uma roça”. Algumas pessoas foram se incomodando e se constrangendo. Em Mangaratiba, além da banana, do gado, do carvão e do pescado, tinha uma fábrica que enlatava sardinha na Ilha Grande e outra no Bananal, do outro lado da Ilha Grande. Sinto saudades dos anos 60. A gente tinha dois clubes, cinema. As festas juninas eram quatro simultaneamente, todas animadas. O relacionamento das pessoas, a solidariedade, o respeito, a educação. Sinto falta dos quintais que as casas hoje já não têm. As crianças não brincam mais de bola de gude, de malha. Os grupos que se reuniam na casa de um ou de outro levavam comes e bebes e faziam o hi-fi. Se faltasse luz, a vitrola era de pilha. Tudo era mais rústico, mas a gente era mais feliz. E as pessoas que eu amava estavam vivas. Hoje, não gosto da poluição sonora que invade a casa das pessoas, que antes não tinha. Não sou contra as modernidades, mas o comportamento e os valores humanos se perderam. As pessoas estão mais frias.

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INÊS LUCAS DE ALMEIDA

INÊS LUCAS DE ALMEIDA

Praia Grande

Nasci no Rio de Janeiro em 1966 e só frequentava Mangaratiba como veranista ainda adolescente, a partir dos 12 anos. A família do meu atual marido tinha uma casa na cidade e éramos colegas de escola. Eu visitava junto com a turma e ia embora. Quase trinta anos depois, já viúva do meu primeiro casamento, reencontrei com esse amigo da escola e nos casamos. Fiz prova de concurso para professora em Mangaratiba e passei. Hoje, a Praia Grande é a minha terra. Ajudo a cuidar da praia, faço as plaquinhas de sinalização. Assumi a presidência da Associação de Moradores. Faço tudo pela comunidade. Aqui é minha a casa. Minha recordação da época de adolescência era a Praia Grande com pouquíssimas casas. A escola não existia. Tinha uma cachoeira lá em cima que era aberta e saíamos da praia para tomar banho lá. Tinha muitos cactos, eu mesma caí em cima de um. Sou professora da Escola Municipal Praia Grande. Apesar de a escola ser considerada de área rural, é muito mais urbana do que antigamente. Lembro do trem Macaquinho, mas vinha de carro com meus pais. Meus amigos iam de trem pra fazer bagunça. A gente acampava na praia, junto com muitas outras barracas. O Sidnei, meu marido, tinha casa ali, então a gente dormia na praia, mas tínhamos um ponto de apoio. Os pais do meu marido compraram o terreno ali quando ele tinha 10 anos, em torno de 1975. Ao redor só tinham as casas. Em 1980, já frequentava a Praia Grande e ainda não havia quase nada de casa, íamos para a cachoeira lá em cima sem nada. A maioria das casas hoje é de veranistas, mas muita gente passou a morar depois da pandemia. Na minha rua, antes da pandemia, eu era a única moradora. Depois, além da pousada da Dona Liana, passaram a morar mais cinco. Quando me mudei, em 2016, meu marido ainda trabalhava no Rio de Janeiro e eu na Praia do Saco. Eu ficava muito tempo sozinha e tinha medo. Passava na frente da Escola Municipal Praia Grande e perguntava: tem uma vaga aí pra mim? Até que consegui ser transferida e fiz amizade com as pessoas do bairro, o que me deixou mais tranquila. Amo a Praia Grande de hoje. Com a desapropriação da Rio-Santos, a cachoeira deixou de fazer parte do clube. Eles construíram um muro, mas a cachoeira não é mais parte. Construíram uma quadra e um banheiro. Não tem mais moradores lá. Fui a convite, porque não sou sócia. Vi que eles fazem eventos bem fechados, apenas para associados. O bairro só tem uma entrada/saída. Já aconteceu de ter um morador passando mal e a ambulância não conseguir entrar no bairro. É uma luta da Associação para que se limite o número de carros que podem entrar no bairro de cada vez. A alegação é que a praia é pública então não se pode fazer essa restrição de acesso, mas as autoridades e os visitantes também têm que entender que é preciso organização porque o espaço não suporta. Os ônibus e vans param lá em cima, na estrada, e os passageiros vêm a pé. Tudo bem, que o problema não são as pessoas, mas sim os carros e as ocupações irregulares. Mesmo com multa e reboque as pessoas voltam a fazer as mesmas coisas. A questão do meio ambiente me mobiliza muito e já conseguimos muita colaboração para a Praia Grande: limpeza da praia, cooperativa para buscar as garrafas, outra para coletar o óleo de cozinha. Uma estação de tratamento foi construída, mas nem todas as ruas estão ligadas à estação e precisa fazer o mapeamento. A burocracia é grande e envolve política. Tem um grupo de voluntários que faz as placas da praia, que cuida da manutenção. A praia é o quintal da minha casa. Já conseguimos muita coisa: a quantidade de lixo diminuiu, colocaram caixas d’água como latas de lixo, as pessoas estão mais conscientes. Mas ainda assim tem quem quebre as lixeiras, arranque as placas. O trabalho da associação de melhorar o bairro tem atraído mais gente. Tem o lado positivo e o negativo. Minha memória afetiva é a de acampar na praia, o trem passando de madrugada. Mas a afetividade maior é recente: querer que Praia Grande continue essa comunidade unida. É uma grande família.

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MARIA JOSÉ ETELVINO

MARIA JOSÉ ETELVINO

Conceição de Jacareí

Nasci em Conceição de Jacareí em 11 de novembro de 1937. Minha mãe era da terra, assim como a minha avó Maria Eulália, que era escura, e a minha bisavó e os antepassados. O pai de minha mãe era branco, português, chamado Manoel Antônio Teodoro. Minha mãe com 18 anos conheceu meu pai. Tiveram 9 filhos: eu, José Ailton, Tereza, Didita, Magali, e mais quatro que faleceram. Meu pai trabalhava como varredor de quintal e a mãe lavava roupa pra fora, nas casas de fazenda. Não tive infância. Pobre tem infância? Lembro que não tínhamos o que comer, então meu pai pegava um cacho de banana, amarrava nas costas e ia vender para o Edu Julião para poder comprar um peixe e a família comer. A gente comia peixe com banana, comida tipicamente caiçara. Só fui ter sobrenome quando me aposentei. Meu pai, quando me batizou, já devia ter tomado umas cachaças e me registrou apenas como Maria José. Foi o prefeito Aarão que me ajudou, fazendo uma nova certidão, aos 80 anos. Em 1958, tudo em volta era mato. Não tinham os barracos que se vê hoje. Eu descia o morro todo sem encontrar ninguém. Ia para o baile, todo mundo dançava, mas não tinha luz: era lampião, tocha de bambu com querosene ou só a lua. Ninguém tropeçava ou caía, de tanto que conheciam os caminhos. A gente era índio e não sabia. O Sr. Benedito Moreira, avô do Perninha, morava acima da nossa casa e ele que fazia o carnaval. Doava tecidos pra gente fazer as fantasias de cigana. Tinha um senhor que fazia a fantasia de burrinha. Eu tinha entre 10 e 12 anos. O bloco inicialmente desfilava em Conceição, só anos mais tarde os Fenianos passaram a ir para Mangaratiba desfilar contra os blocos de lá, no meio dos anos 80. A vida inteira fui baiana, mas não sambo mais. Antes da Rio-Santos, eu trabalhava como doméstica no Rio, mas estava sempre em Conceição para poder cuidar da minha mãe. Dou graças a Deus pela construção da rodovia e não ter que pegar mais aquela lancha horrorosa. Perdi a mala no mar ao desembarcar com a minha filha pequena. Uma vez, na época da construção da Rio-Santos, cheguei do Rio de trem trazendo a medicação para o meu pai, que estava com câncer, mas quando cheguei, a lancha já tinha partido. Consegui uma carona. A Rio-Santos toda em obras, com muitas pedras e lama, só cheguei em Conceição mais de dez da noite. Consegui uma vela na casa da Dona Dulce e, chorando, subi com a ajuda de um vizinho, só com uma vela, no escuro, a trilha até a casa do meu pai. Por isso, a data da construção da estrada não sai da minha cabeça: 1975 foi o ano em que meu pai morreu. A obra foi enorme, com muitos peões. Muitas moças dali se casaram com peões. No meu tempo, ninguém ia à praia porque a minha mãe não deixava. A praia era só para os homens. Só fui à praia depois de burra velha, que voltei a morar em Conceição. Aí ninguém me manda, né?

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