DEO CESAR JANUZZI

Mangaratiba

Nasci em 1940 e morei na cidade até os 12 anos. Depois tive que ir embora para estudar. Meu pai era ferroviário. De Deodoro a Mangaratiba ele trabalhou em todas as estações. Ele não admitia sair de Mangaratiba, mas minha mãe queria que os filhos tivessem mais futuro, então eu e minha irmã fomos para colégios internos no Rio de Janeiro. O cinema da cidade, o Januzzi, era do meu tio e foi inaugurado em 1928. Meus tios Raimundo e Jaime tocavam a padaria e o hotel. Quem montou todos os empreendimentos (padaria, cinema, hotel) foi o meu avô. Ele também fez uma usina elétrica e uma fábrica de gelo. O cinema tinha só uma máquina porque não tiveram dinheiro pra comprar a segunda, então quando acabava o primeiro rolo eles tinham que acender a luz e entrava o Zé Laranjeira vendendo balas e as minhas tias, Amena e Aída, vendendo doce. No começo, a Bananada Tita só era vendida em tabletes. Aí um rapaz de Jacareí chamado Altamiro teve a ideia de partir o tablete em pedaços e isso lhe rendeu o apelido de 'Bananada Tita' até morrer. Por isso, o Vitor Breves passou a vender também em tabletes. Todo mundo naquela época tinha apelido. O do meu pai era Bacalhau, porque nasceu em 1914 e em 1918 teve a gripe espanhola e ele ficou muito magro. O pai do Tomaz, por exemplo, era o Quebra-Coco, que fazia um pastel também muito concorrido – ele era funcionário na padaria do Seu Zezinho, e fritava o pastel, que a esposa fazia. Ele também tocava na banda da cidade, chamada Sociedade Musical 8 de Setembro, também conhecida como Furiosa. Tocavam nos bailes. Depois as bandas foram municipalizadas, juntadas, e fundou-se uma escolinha no Grêmio, regida pelo Maestro Olímpio. Lembro dos carnavais, do São João, e das principais festas na cidade. Lembro do Bloco dos Carijós, que meu pai saía no carnaval com os amigos e família, tomando cachaça, com fantasias feitas pela mãe dele. Adorava carnaval e sempre saía fantasiado, especialmente no Bloco dos Sujos, que era uma bagunça: 5 ou 6 que que saíam fantasiados, brincavam o carnaval, depois tomavam banho de mar e normalmente não chegava em casa, alguém tinha que ir buscar. Era um carnaval de antigamente, simples, bonito e saudável. Todo mundo conhecia todo mundo, era uma família só fazendo carnaval. Eu saia de maiô da minha prima dele ou com o vestido da minha irmã. Só depois vieram os dois clubes, o Grêmio, em 1950, e o Mangarás. A praça era dividida entre o jardim de baixo e o de cima. As meninas brincavam de roda, os meninos jogavam bola de gude, brincavam de pique. Mas as meninas não podiam ir pro jardim de cima, que era local de namoro. Quando a gente era criança, o garoto que conseguia chegar na ponta do guindaste para mergulhar era o herói. Na praia da Vila se pescava camarão com rede. Na praça, tinha um funcionário da prefeitura chamado Seu Medeiros, que não admitia que ninguém pisasse na grama. Tinha no portãozinho do parque, da praça de cima, o Seu Manoelzinho Mendonça, que ficava monitorando voluntariamente as crianças – se fizessem bobagem ele mandava pra casa e elas obedeciam. Também não deixava que subisse na árvore. Tinha dois trens de carreira, que era o principal, mais comprido, e tinha duas classes. A primeira tinha poltronas de couro, napa, em duplas, viradas umas de frente para as outras. A segunda era com bancos de madeira compridos, com bilhetes mais baratos. Ligava a Central do Brasil à Mangaratiba. E tinha o trem Macaquinho, que tinha três vagões: um de primeira, um de segunda e um de carga. Saía de Santa Cruz e vinha para a cidade. Se quisesse ir para o Rio tinha que fazer baldeação e pegar o elétrico para a Central. O trem primeiro era maria fumaça, depois passou a ser diesel. Na época dos estudos a gente transitava entre a cidade e o Rio de Janeiro sempre de trem. Muitos rapazes passavam a semana trabalhando no Rio e voltavam pra cidade no final de semana. Eu vinha todo sábado. Pegava o trem às 14h10 na Central e chegava em Mangaratiba às 17h. E no domingo à noite as pessoas voltavam no último trem que ia pro Rio, que era esse das 18h20. Se criou uma “confraria” dos usuários que se encontravam sempre no trem do domingo. Tinha flâmula, baile com rainha. No domingo, antes do trem partir, ficava todo mundo passeando perto da estação, paquerando, namorando, se despedindo. Quando o trem saía às 18h20, a cidade fechava: ou as pessoas iam pro cinema ou iam pra casa. Luciano lembra que as pessoas ficavam andando entre a igreja e a padaria, de um lado para o outro, conversando, esperando a hora da sessão do cinema. A cidade sempre teve seu time de futebol, o Grêmio, com sede onde hoje é a Fundação do Cary e o campo na Praia do Saco, que existe até hoje. O time era organizado, mas amador. Não tinha muita coisa pra fazer porque a cidade era isolada. Mas isso foi morrendo, talvez porque as pessoas foram envelhecendo, os mais jovens não deram continuidade. Na época da construção da Rio-Santos eu não estava mais na cidade. Meu pai dizia que “o dia que fizerem essa estrada e abrirem esse porto vai acabar Mangaratiba”. Eu concordo, porque a vinda de muita gente diferente de fora foi tirando o clima de cidade do interior. Nem sei a quanto tempo não tem água na fonte da praça, mesmo sendo em frente à prefeitura. A região sempre foi muito rica em banana, que vinha de barcos. Com a Rio-Santos, isso também acabou. Luciano complementa dizendo que tinha um trem só para transporte de banana e outro só pra gado. Eles embarcavam ali perto do trapiche, vindos das fazendas da região. Minha memória de afeto é o trem. Por mim, o trem deveria voltar. Quando vou para outras cidades e passeio de trem, lembro de Mangaratiba.

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