SILVIO DOS SANTOS SOARES

MANGARATIBA

Nasci em 1968. Tenho família em Mangaratiba, mas nasci em Sepetiba. Sou o caçula de nove irmãos. Quando eu era criança, lembro de acompanhar meu pai, que era ferroviário e trabalhava nas estações da Rede. Passei minha infância dentro dos trens, nas praias e nas costeiras pescando siri, jererê, fazendo pesca de arrastão, aprendendo a jogar tarrafa. Quando minha família voltou do Rio de Janeiro para Mangaratiba, meu pai já estava se aposentando, e a situação financeira ficou difícil. Mas conseguimos plantar e também tirávamos o sustento do mar, das ostras, da pesca de tarrafa. Morei próximo ao pátio da estação entre 1977 e 1979. Depois mudei para Bela Vista, onde morei por um ano. Bela Vista com muito espaço, com mananciais e nascentes.Depois morei por 15 anos nos casarios atrás da igreja, número 219, onde hoje é o Bar Mix. Estudei primeiro no Coronel e depois no João Paulo II, que foi inaugurado em 1989. Antes da Rio-Santos, eu visitava os parentes em Angra atravessando na lancha Patrício, que meu avô era mestre. Tinha outra lancha além da Patrício que levava pra Angra e Paraty. Depois veio o serviço de transporte da Guanabara que levava para Conceição de Jacareí, Angra e Ilha Grande. Depois passou para o CONERJ. Prestei concurso e fui aprovado para professor do Colégio Estadual João Paulo. Entrei em um momento de renovação entre os mais antigos, que chegaram a me dar aula, e meus colegas de turma da escola, então era tudo bem família. Passei em concurso da prefeitura antes, em 1990, e estou lá desde então. Sou do cadastro técnico imobiliário e trabalho muito na descrição e na instalação dos loteamentos que pipocaram a partir dos anos 1990. O loteamento desenfreado gera empregos, mas cede de bandeja as riquezas naturais do município. Participei do processo de regulamentação de praticamente todos os condomínios dos anos 1990 em diante, vendo o impacto ambiental e o esvaziamento das famílias naturais da terra, que moravam nas áreas e foram deslocadas para o Centro de Mangaratiba. A grande maioria das famílias foi tirada das terras, não houve compra e venda. Ele não sabe sob qual argumento, mas aconteceu. Não sei bem como me envolvi com o trabalho de ajudar pessoas, mas acho que tem a ver com empatia e com o olhar pedagógico. A cidade passa por problema de moradia há décadas e quando a pessoa passa a entender isso o problema mexe mais com ela. Havia comunidades da cidade que foram formadas pela gentrificação dos loteamentos. Algumas poucas famílias vieram de fora e foram subindo o morro atrás de moradia, mas é mais uma realidade urbana. Aos poucos vão surgindo pontos de luz no meio das matas da cidade, que é a ocupação se expandindo. A partir dos anos 2000, esse aumento da ocupação foi na cidade inteira. Um exemplo é o Vista Mar, que se expandiu numa área quase inóspita, em contraste com a área ao lado, ocupada pelas pessoas mais pobres. Já concorri à vice-prefeito e circulei nessas áreas mais carentes. O que mais ouvia das pessoas era sobre a dificuldade no acesso aos serviços públicos. A Prefeitura não acompanha as ocupações, não dá estrutura, mas as pessoas se instalam mesmo assim e depois a situação fica mais difícil de estruturar, especialmente nas áreas de barranco. O Parque Bela Vista tem muitos desses problemas de acessibilidade às casas, que vão sendo construídas mata adentro através da abertura de caminhos. A ocupação se dá pela necessidade de moradia combinada com a anuência do poder público, dos políticos, que na necessidade de continuar se reelegendo, vão deixando as coisas acontecerem de forma desordenada, sem controle, sem oferecer segurança para aquela ocupação. Não é a ocupação em si que é ruim, mas a forma como ela ocorre, sem oferecer segurança no momento e depois. Sou casado com a Claudia há 22 anos. Ela é descendente de quilombola da Fazenda Santa Izabel. Aos poucos fui me integrando à comunidade do quilombo e hoje ajudo a manter a comunidade preservada. A partir de 2018, a comunidade passou a fazer uma festa pública. Em 2017, fizemos uma 'Caminhada da Resistência' e, no ano seguinte, começaram a acontecer alguns encontros. Apesar de certificados em 2016, o acesso ao quilombo ainda estava sendo dificultado pelos proprietários e pelo Incra, mas, aos poucos, eles foram conseguindo liberar o acesso. Em 2022, foi inaugurada a Festa da Banana. Ainda tem a festa caipira, da consciência negra e da primavera. Além de ser formado em Literatura, sou músico, toco violão. Eu fazia parte da Orquestra Municipal, que começou em 2001 e durou cerca de 10 anos. Era uma orquestra-escola de cerca de 25 pessoas. E a gente se apresentava nos eventos da cidade, escolas. Quando acabou a orquestra continuei tocando violão, mas só me apresento nas missas da Igreja. Me apresento onde sou “convocado” pela paróquia, mas principalmente na Nossa Senhora da Guia e na Praia do Saco. Também dou aula pela Fundação Mário Peixoto. Sinto falta das reuniões de praça, do coreto, em volta da amendoeira, tocando violão em três ou quatro músicos, batendo papo, contando piada, estudando, como na adolescência. A vida foi afastando as pessoas, mas as famílias conviviam e eu sinto falta dessa convivência.

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