VICENTE DE PAULA PIMENTA DA ROCHA

MANGARATIBA

Nasci em 1956. Mangaratiba era o quintal da minha casa, uma cidade fechada. Todos eram uma grande família. Só tinha transporte por trem e, depois, por uma empresa de ônibus que fazia a linha Mangaratiba-Rio de Janeiro, passando por Itaguaí. As famílias eram grandes e acabavam se casando entre si. Como não tinha a Rio-Santos, a ligação do município era feita também por canoa. Minha mãe era de Parada Junqueira e o meu pai veio de São João Marcos com 13 para 14 anos e foi trabalhar na empresa Sul Fluminense de Navegação, do Sr. Dib Jorge Simão. Ele acabou se tornando mestre de lancha, e fazia a ligação Mangaratiba-Jacareí-Angra-Paraty, uma viagem que saía às 8h e chegava em Paraty às 20h se o mar estivesse calmo e fosse tudo bem. Eles também subiam o rio da Ingaíba com chatas para buscar mercadorias dos produtores como bananas, cocos etc. A ligação da capital, na época Niterói, ou do Rio de Janeiro, com Paraty era apenas por Mangaratiba. Não tenho certeza sobre a família da minha mãe, mas sei que eles estavam na terra há muito tempo, eram caiçaras, e a família acredita que ela era neta de indígenas. Estudei no Coronel no primário e depois no Colégio Mangaratiba, do Professor Barros, até o ginasial. Terminei os estudos em Santa Cruz. Servi o exército e fiz faculdade no Rio, mas ia e voltava todos os dias. Na época da faculdade, fundamos uma associação: o Grêmio Estudantil Mangaratiba, Greman. Fui o primeiro presidente. No tempo de criança, Luciano Cariço e eu fazíamos todas as atividades da paróquia, inclusive lavar a igreja, preparar missa, colher lírios no charco que ficava ao lado do cemitério da praia do saco, onde hoje fica uma empresa de ônibus. Os coroinhas competiam para ver quem fazia mais pontos, que o Padre somava. Se aprontassem, perdiam os pontos. A gente também vendia doces da Dona Aída pela na rua. Naquela época todo mudo tinha apelido. O do meu pai era Bolão ou Pequenino. Formei advogado e estou aposentado como Procurador Municipal e também como advogado também. Lembro que havia também as festas religiosas: Itacuruçá tinha a Festa de Sant'Anna, Muriqui a de Nossa Senhora das Graças, Mangaratiba a de Nossa Senhora da Guia, na Serra do Piloto tinha duas: São João Marcos e Nossa Senhora Aparecida. Jacareí tinha a Nossa Senhora da Conceição. Nessas festas, a banda de música 'Furiosa' ia sempre tocar e as pessoas se deslocavam para essas festas, um pouco menos a de Jacareí, porque dependia de barco. Lembro que na ponte tinha um guindaste onde a criançada pulava, mesmo sendo proibido. Seu Durval, que trabalhava na Sul Fluminense, volta e meia dava uma corrida nas crianças. A gente brincava de pique na ponte e se escondia embaixo das escadas, que eram ocas, então parecia que tinha sumido debaixo d’água. Na praça também tinha um pé de groselha que o jardineiro, Seu Juvenal, não deixava a gente subir na árvore para colher as maduras. A gente gostava de jogar bola na praia, tinha futebol de manhã à noite. Daí o mar mudou quando a população começou a crescer. A Praia do Saco era tudo mangue, que tem essa função de filtrar e repovoar o mar, e só tinha a estrada para a Serra do Piloto. Aí o bairro foi sendo aterrado e ocupado e o mangue acabou. Começou a pescaria de camarão por arrasto, que desce 15 cm a 20 cm na lama e acaba com tudo. Isso foi no final dos anos 1980. Na Praia do Saco, se pegava camarão com peneira de obra. Os pescadores chegavam com os barcos carregados e os camarões que caíam na areia eles não recolhiam. Uma canoa trazia 200 kg a 300 kg de camarão. Acho que meu casamento foi o único da cidade a ser realizado por uma irmã de caridade porque na época a igreja estava sem padre. A cidade teve três jogadores que foram para o futebol profissional: Caxixa, que jogou no Botafogo e foi barrado pelo Garrincha, Bauer, que jogou no Fluminense, e João Francisco, que depois fez carreira como técnico. Ele voltou depois para ser técnico no Grêmio de Mangaratiba e classificou o time para a 2ª divisão no Estadual. Eu acho que uma das coisas que fez com que a adesão às tradições diminuísse foi a televisão. Antigamente, tinha gente jogando de manhã na Ribeira, de tarde em Mangaratiba, de noite na quadra, e domingo no campo, hoje é normal não ver ninguém jogando por dias. Toda quarta-feira tinha um encontro de veteranos à noite na quadra, que acabou. Hoje em dia tem jogos passando na televisão todos os dias da semana. No carnaval, acho que é a mesma coisa. Antes, as pessoas tomavam café, saíam pra rua, voltavam para almoçar, depois iam para rua de novo e só voltavam pra dormir. Hoje fica todo mundo dentro de casa, na TV e no computador. Antes da Rio-Santos, os distritos ficavam mais conectados à Vila. Depois, Itacuruçá acabou ficando mais perto de Itaguaí, Jacareí ficando mais perto de Angra, sobrando a Vila, Muriqui e Serra do Piloto, que começaram a se distanciar uma das outras. Eu sinto falta das crianças brincando na praça, subindo em árvore, correndo soltas. Eu saio caminhando todos os dias até a Praia do Saco e quando vejo as crianças das escolinhas de vôlei e de futebol me encho de alegria.

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