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Cary Cassiano Cavalcanti Filho

CARY CASSIANO CAVALCANTI FILHO

MANGARATIBA - CENTRO

Nasci em 1951, no Rio de Janeiro. Meu pai era de Mangaratiba, mas morava no Rio: primeiro em Piedade, depois Cavalcanti e então foi para Cascadura, onde dava aulas num colégio. Conheci Mangaratiba no colo do meu pai. A cidade para mim sempre foi sinônimo de férias. Era onde eu podia ir até a padaria sozinho, andar pelas ruas sozinho, mas não muito longe, que meu pai não deixava. Meu avô era um comerciante bem-quisto, dono de um Secos e Molhados que vendia principalmente querosene, café, arroz e fumo. Era o único que vendia querosene a varejo. As pessoas chegavam com garrafas para encher de querosene para seus lampiões porque a luz era fraquíssima. Minha irmã e eu ajudávamos e atrapalhávamos. A gente misturava feijão com farinha nas baias de madeira expositoras e meu avô ficava bravo. Minha vó tinha fama de ser muito séria, mas era muito carinhosa comigo e minha irmã. Meu pai tinha que estar sempre na cidade por causa da política, era muito atuante na cidade. Foi político, vereador. Então, nos finais de semana, a gente pegava o trem na estação de Cascadura para Mangaratiba. O pai do Cícero controlava a estação. Da viagem, lembro que, criança, ficava perguntando para meu pai durante o trajeto se faltava muito pra chegar. Meu pai então desenhava à caneta um relógio no meu pulso e dizia: “Quando esse ponteiro sair daqui e chegar aqui é que nós estaremos chegando”. Mas o que era marcante para mim de “estar chegando” era quando o trem se aproximava da estação da Pedreira, de Brisamar, os garotos vinham anunciando: “Bananada Tita! Bananada Tita! Quem vai querer Bananada Tita?”. O trem vinha pela orla e, em alguns trechos, as pessoas que estavam paradas na praia podiam encostar nos passageiros do trem, de tão próximo que passava. Eu ficava mudando de vagões durante a viagem para tentar fazer o tempo passar. Eu sabia todas as estações. A estação de Mangaratiba ficava em frente à praça que tinha na frente da igreja, onde hoje é o estacionamento. Quando entravam na vila, minha avó e minha tia estavam na janela e, assim que íamos chegando, elas acenavam. E sempre faziam farofa de ovo, bolo cozido, e outras comidas que marcaram minha infância, e que depois registrei na poesia que fiz sobre a cidade. O trem “levantou” a cidade que havia morrido no final do século XIX. Trazia os veranistas. O Buriti surge dos veranistas. Mas eram veranistas frequentes, e todos sabiam quem eram e eu mesmo era um. Em janeiro, todos chegavam juntos na cidade, se encontravam e confraternizavam com os locais. Já a rodovia Rio-Santos não trouxe as mesmas alegrias do trem. Para mim, a chegada da estrada teve ônus e bônus. O bônus foi que a Rio-Santos ligou o município por terra, já que alguns pontos eram muito isolados. Conceição do Jacareí nem parecia que pertencia à cidade. Além disso, aumentou a possibilidade de emprego, não só com o porto, mas também indo para Angra dos Reis, trabalhar no Estaleiro da Verolme, por exemplo. Mas teve o ônus social da prostituição, não só de mulheres vindas de outras regiões como da própria cidade, atraída pelos tripulantes estrangeiros do porto e o pagamento em dólares. Além do fato de não ter tido uma proteção patrimonial e ambiental, que gerou o crescimento dos condomínios, que vieram com a estrada. Quando os condomínios chegaram, foram fechando o acesso à praia, embora muitos não pudessem fazer isso, e a integração foi acabando. Ibicuí era a praia mais linda e acabou. A estrada de ferro para passageiros acabou por volta de 1984 e 1985, com o fim da circulação dos trens e, na gestão do Capixaba, os trilhos foram retirados. É bem próximo à chegada da estrada. O trem hoje vai até o Santo Antônio, onde pega a ponte ferroviária para o porto, mas só leva minério, nem sequer os funcionários mais. Então cria-se uma lei de proteção dos costões, mas que eu creio nunca ter sido homologada. E há uma invasão do costão de ponta a ponta. E a própria Rede vende a sua área de proteção, dando prioridade a seus funcionários e ex-funcionários. Então ao mesmo tempo que a estrada foi boa porque trouxe crescimento e permitiu às pessoas estudar e trabalhar, por outro lado houve esse ônus. Como sempre acontece nas grandes obras, não há proteção para os trabalhadores, trazidos de todos os cantos do país. Quando a obra acaba são abandonados. Assim, surgem as favelas e as ocupações irregulares. Em Mangaratiba, cito a ocupação da Praia do Saco, da Rua da Várzea. A cidade mudou muito rápido com a chegada da estrada, a população cresceu muito. Trabalhei 23 anos como professor na cidade. No início, conhecia todo mundo e, no final, já não conhecia mais ninguém. Não sabia quem era quem, não conhecia as famílias. Os mais novos não têm identidade, não têm sensação de pertencimento. Existe uma noção imediatista de Mangaratiba, de só reconhecer aquilo que você viu. Se não viu, não reconhece. Há uma falta de identidade, as pessoas não se envolvem com a história, com a cidade. Usam a cidade, mas não se envolvem com ela. Por exemplo, fazem uma arruaça porque o Neymar tem casa no Portobello, mas o Neymar não tem ligação nenhuma com a cidade, não tem nada aqui, ele nem chega na vila. Mas se pergunta quem é Mário Peixoto, “Ah, eu não sei”. Stallone fez um filme na cidade, foi um alvoroço. Agora o filme tá perdido por aí e ninguém sabe onde aparece. 'Limite' é considerado um dos principais filmes do mundo e ninguém sabe. Meu pai me educou para saber que no chão onde eu piso estão as cinzas dos meus antepassados. Minha filha nasceu em Niterói e aos cinco meses se mudou para Mangaratiba. Ela cresceu, se alfabetizou e estudou na cidade. Muita coisa da cidade se perde porque depende de gestor político. A escolinha Maria Augusta Lopes, onde minha filha foi alfabetizada ali lendo livros de história, era um espetáculo, mas hoje já não é mais assim. Minha filha foi alfabetizada antes do primo, que estudava em um excelente colégio do Rio de Janeiro. Quem sente mais os problemas de Mangaratiba são as crianças e, principalmente, os adolescentes, porque não têm nenhum investimento para eles. Crianças ainda têm parquinho, praia, mas adolescentes não. O cinema, por exemplo, acaba em definitivo no início dos anos 1980. Teve alguns donos: primeiro a família Januzzi, depois o Barreto, que também tinha cinemas em Copacabana, e depois, com a divisão do patrimônio da família, ele ficou nas mãos de Osmar Januzzi, que tentou arrumar, mas não era o negócio dele, que era engenheiro e tinha trabalhado nas docas. O Centro Cultural, criado e anexado à fundação entre 1986 e 1888, oferecia teatro infantil, cinema, passavam filmes na parede da fundação e da igreja, em parceria com a Secretaria de Cultura do Rio, mas acabou se perdendo porque não houve interesse da gestão em continuar. Lembro que o esporte era muito movimentado na cidade, na quadra e na praia. A garotada jogava vôlei e futsal. Hoje em dia se encontra de vez em quando meia dúzia de pessoas jogando, mas não tem mais organização. Quando eu era professor, estimulava que meus alunos fizessem prova para a Universidade Rural. Eles reclamavam que é longe e eu contava que um aluno morador de Santa Cruz que estuda na UFF, por exemplo, não demora menos de duas horas para chegar e, como todo o transporte ruim de Mangaratiba, ainda demora menos de duas horas para chegar na Rural. A distância entre Mangaratiba e a Rural é de cerca de 30 km e com o Arco Metropolitano ficou ainda mais rápido. O transporte público na cidade, ainda hoje, é inviável. Não há uma ligação rotineira entre os distritos. Isso impede que as pessoas participem das atividades, especialmente à noite, porque não conseguem voltar para casa. Lugares como Ibicuí, Figueiras, Junqueira e Ribeira eram muito bem servidos pelo trem, mas com o fim da linha, acabaram ficando abandonados já que a estrada passa longe. Até para ônibus é difícil porque as ruas são íngremes e estreitas. O transporte marítimo teve um grande empreendedor, que foi o Dib Simão, e conectava os distritos até a chegada da Rio-Santos. Simão criou a Companhia de Navegação Sul Fluminense, que hoje foi substituída pela CCR, e a agência ficava onde hoje é o Bradesco. O transporte entre a vila e Paraty, contando com outras localidades como Conceição e Angra, que demorava mais de cinco horas, só passou a existir com a Companhia Sul Fluminense. Eram três barcos grandes: Brasil, Vencedor e Patrício. Eram como os primeiros barcos que faziam a travessia entre Rio e Niterói. A Companhia chega no final dos anos 1940 (talvez 1948) e fica até o meio dos anos 1970, mas já tinha sido assumida pelo Estado, na Conerj. Nessa mudança de gestão, também mudou de trajeto e parou de atender Conceição do Jacareí, por exemplo. Tinha barco para lá, mas não mais da Conerj. Com a estrada, essa opção acabou e hoje se restringe ao acesso à Ilha Grande. Lá teve um atracadouro antes deste atual, e o “histórico” ficava no “Sapeca”. Vinham muitos visitantes ver os presos, em geral mulheres, e às vezes elas faziam muita confusão na cidade, porque tinham pressa, devido aos horários de embarque, e queriam passar na frente de todo mundo no mercado, por exemplo. O Fórum ficava na Rua Coronel Moreira da Silva, em frente ao imóvel que era o armazém do meu avô. Os presos tinham que comparecer para prestar depoimento antes de serem transferidos, então a rua era tomada por policiais armados no meio da rua. A sensação para os moradores era muito ruim. Uma vez apareceu um corpo na praia e meu pai foi chamado para averiguar, não sei porque. Era um preso fugitivo que morreu no mar. Mas com a saída do presídio da Ilha, tudo foi tomado. Agora, além da travessia pela vila, tem um cais em Conceição de Jacareí. A fila para a travessia diminuiu um pouco com a pandemia, mas costuma ser enorme, e as pessoas não respeitam o trânsito, estacionam em qualquer lugar. Agora existem estacionamentos. O Cícero, por exemplo, tem um. Para mim, o único retorno da travessia é para os estacionamentos e para as pousadas. Mangaratiba acabou se tornando passagem. Não temos turismo, apenas veranistas que trazem tudo de fora, compram na cidade apenas o que esqueceram de trazer, quando muito vão a um bar ou a um restaurante. Diferente do turista, que vem para conhecer o local, dorme em pousada, descobre restaurantes, conta para os amigos, volta depois. Mangaratiba não tem essa identidade turística. Por isso, na minha opinião, os comerciantes locais ficam muito dependentes do governo. Há um tempo, foi feito um movimento para, de 15 em 15 dias, ter um evento de música na praça, mas aí mudou a gestão e os eventos acabaram. Havia um evento chamado Coro de Coreto, que não manteve uma rotina e por isso acabou morrendo. A gestão política foi tirando e mudando muita coisa. Mangaratiba sofre muito de bairrismo. Apesar de outros bairros terem espaço, as coisas são todas colocadas na vila, que já está lotada. E isso acaba destruindo o patrimônio da cidade, derrubando os prédios. E esse bairrismo também aconteceu com os clubes: o do Centro foi ficando ruim e eles não passaram a frequentar o de Ibicuí porque “não era nosso, mas de veranistas”, que construíram um clube enorme no Junqueira, mas fica vazio. Sinto falta do movimento cultural da cidade: Zé Carlos com o teatro, o festival de música, o clube e, especialmente, o carnaval. Não tinha confusão, eram vários blocos de carnaval de rua. Eu mesmo tive um. Quando perguntam quando eu vou voltar a colocar o bloco na rua, digo que não tenho mais coragem. A igreja tinha uma cantina que vendia muito, e na restauração da igreja o Iphan mandou tirar. Na festa da padroeira, lembro que todo mundo participava fazendo alguma coisa. Tinha leilão, bingo, shows e barraquinhas. Os shows eram pagos pela prefeitura e a arrecadação das barraquinhas era da prefeitura. O bingo era da igreja, até serem proibidos. A última grande festa foi em 2004, com show de Emílio Santiago. Na ocasião, ofereceram um show da Ivete Sangalo de graça para o prefeito e eu fui contra, alegando que destruiriam a praça inteira, porque a cidade não comportaria tanta gente. Ainda tiveram outras depois, mas passou a ficar cada vez mais tímida, com menos barraquinhas e menos gente. As pessoas que não moravam mais na cidade voltavam para a festa. Eu recordo que o fim das festas foi também consequência dos padres da paróquia depois do Padre Galdino, que não quiseram se responsabilizar pela parte social, querendo que a prefeitura cuidasse dessa parte. Sinto saudades de ir até a praça, bater papo com as pessoas.

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João Carlos de Abreu (Kakau)

JOÃO CARLOS DE ABREU (KAKAU)

MANGARATIBA - CENTRO

Nasci em 1945. Meu pai era alfaiate em São João Nepomuceno, Minas Gerais, e pós-guerra, com a situação econômica difícil, teve que fechar a alfaiataria. Havia na época um intercâmbio entre os alfaiates que viajavam atendendo clientes pelo país, e trocavam informações sobre vagas de trabalho. Assim ele ficou sabendo da existência de uma vaga em Bangu. Já no primeiro final de semana, a convite de um colega, ele pegou o trem Macaquinho e foi conhecer Itacuruçá. Ele tocava violão, cantava e tomava umas pingas, então quando chegou, há 75 anos, ele ficou maravilhado. Por coincidência, tinha um alfaiate no distrito que não queria mais ficar ali, queria ir para uma cidade maior, então eles trocaram de vagas. Já a primeira casa que ele ocupou quando chegou foi a que ele morou até falecer. Na minha infância, lembro de fugir da escola, fazia uma “gazeta”, corria até a praia para dar um mergulho e depois ia até o barco no canal. Passava o dia todo no barco, mergulhando, e no final do dia, quando a fome apertava, voltava para casa. Era o que tinha para se fazer. Itacuruçá era restrito até o campo de futebol, não havia luz, não havia meios de comunicação, e à noite os grupinhos se reuniam nas esquinas para conversar até umas dez da noite e depois cada um ia para sua casa. Como não tinha ainda drogas e violência, com 12 ou 13 anos de idade eu podia frequentar os bailes de adultos nos clubes. Os dois clubes (um mais popular e outro mais elitizado) faziam bailes como o de primavera e o de carnaval, por exemplo. Lembro muito de participar das Festas de São Pedro e de Sant'anna. Estudei em Itacuruçá até a 5ª série primária, depois meu pai achou que eu deveria aprender uma profissão porque ele não tinha meios de manter o filho em colégio (só disponível particular, na época, e ainda tendo que pagar a passagem de trem), então fui, assim como meu pai, me formar alfaiate, até completar a idade do serviço militar. Fui para o quartel e, quando voltei, tendo feito o curso de cabo no quartel, fui o único que não tinha segundo grau que conseguiu passar, e com grande facilidade de aprender, fui estimulado por um amigo a voltar a estudar. Com 22 anos, fui para Muriqui, no Nossa Senhora das Graças, fazer admissão para o ginásio, onde passei a compartilhar a sala com as crianças de dez anos. Fiz ali admissão, primeiro e segundo, e depois fui para o curso noturno em Itaguaí, no Cinco de Julho. Para chegar, pegava um trem às três da tarde e ficava esperando, estudando, até o início das aulas às 18h40. As aulas terminavam às 22h, mas só tinha trem pra voltar 0h30. Terminado o ensino, fiz Contabilidade e Direito em Campo Grande. Entre 1980 e 1985 atuei como advogado, abrindo um escritório de advocacia com alguns sócios no Rio de Janeiro, mas também atuando em Itacuruçá, mas por aqui eu fazia mesmo era política. Em 1976, fui eleito pela primeira vez para vereador no mandato de 6 anos até 1982. Em 1982, fui vice-prefeito. Em janeiro de 1983, Jacareí recebia 400 ônibus por dia, que geravam 20 mil pessoas sendo recebidas por uma população de 1.500 moradores, em uma vila caiçara. Esses ônibus estacionavam ao longo da rodovia Rio-Santos, por todas as ruas. Em uma ocasião, eu e Nelson, um vereador que lutava muito pelo município, tentamos ir à Jacareí ver como as coisas estavam por lá, mas não conseguimos chegar. Um cara com chapéu da Mangueira e sunga branca sentou no capô da Brasília do Nelson afugentando nós dois, que conseguimos manobrar o carro e voltar. E tinha o problema dos acampamentos nas praias, que começavam em Itacuruçá e iam até Jacareí, com mais de 2 mil barracas. A pessoa montava sua barraca na praia e ao lado fazia um quadradinho; cavava o quadrado, posicionava sobre uma cadeira sem o assento e usava como banheiro; saturava e ele tapava, então começava outro. Aí os visitantes, sem querer, ao passar entre as barracas nas praias, pisavam nesses buracos. A prefeitura então conseguiu, junto com a Marinha, proibir o acampamento em praias da cidade; e sobre os ônibus, criaram uma lei estabelecendo um número limite de ônibus para cada distrito e fizeram um trabalho junto à Flumitur para que não liberasse mais do que 10 ônibus por distrito por dia, regulamentação que conseguiu ser aplicada em trabalho conjunto com a Polícia Rodoviária. Essa fase, entretanto, foi muito danosa para o município. Destruíram as ruínas do Sahy, o lago da estação de Itacuruçá teve que ser esvaziado, porque os excursionistas faziam churrasco em baixo do arvoredo e depois iam tomar banho no lago e não tinha polícia que segurasse. Nessa fase, já se espalhavam também o fechamento das ruas com condomínios irregulares, que começaram a surgir com a abertura da Rio-Santos e se impõem ao bem comum até hoje. Lembro de uma vez que, como vice-prefeito, fui a Sítio Bom com o prefeito, Capixaba, em um carro particular e o segurança os impediu de entrar. Assim, começaram a se articular para acabar com a prática, mas não foi adiante. Ainda hoje os pseudocondomínios mantêm as cancelas, cercamentos e impedimentos de acesso de forma irregular. Em 1985, rompi politicamente com o prefeito e abandonei a vida pública. Fui vereador eleito logo nos primeiros anos da operação da Rio-Santos. A estrada se confundiu com a MBR, uma vez que chegaram na mesma época. Houve então uma onda de progresso para o município: a empresa trouxe muitos empregos e a Rio-Santos facilitou o acesso. A princípio era qualidade, depois a coisa começou a se complicar, por volta do início dos anos 1980, quando candidatos começaram a estimular as invasões em troca de votos. Faziam vista grossa, e permitindo que a Cedae facilitasse a instalação de água e a Cerj de luz elétrica. Foi quando começaram as ocupações de morros e encostas. Alguns vieram para servir na cidade, como mão de obra barata, e outros como veranistas, tanto pessoas humildes como abastadas, com boas e más intenções. Muitas pessoas vieram de diversos lugares do país para trabalhar nas obras da Rio-Santos e, como já estavam instalados aqui, acabaram ficando. O Zenon, da Pizzaria, foi um desses. Recordando a Festa de Sant'anna, tinha como um de seus incentivadores e personagens principais o Genoval, que fazia sopa de tartaruga. Ele era Jaguanum, filho de pescador, foi presidente da colônia de pesca. Seu restaurante marcou a história de Itacuruçá e de Mangaratiba. As pessoas vinham de fora para comer em seu restaurante, especializado em frutos do mar. Pouco alfabetizado, ele era muito criativo: criou o rodízio de peixes; criou as frases exóticas que ficavam expostas; pendurava um cavalo marinho no jaleco e ia fritar camarão no meio da rua, dando “show” para os passantes. Vinha gente famosa para comer a comida do Genoval. Seu lema era “Genoval Serve Bem”. Ele fazia festa de Cosme e Damião para as crianças, fazia festa sempre que podia. No salão, tinham os cascos de tartaruga pendurados, peixes vivos em aquários, papagaio solto e todo tipo de decoração pitoresca. Mas então, com a proibição da caça às tartarugas, ele foi processado e ficou muito mal. O restaurante ficava à beira-mar, próximo à capitania, e durou até 1994. Ele passou um tempo doente, acabou falecendo, sua mulher tocou o restaurante por um tempo, mas acabou fechando e hoje tem uma peixaria no lugar. Ele era tio da minha esposa. Em 1985, eu estava desgostoso da política depois da briga com o prefeito, e da advocacia, já que acabava passando muito tempo longe da família, mas não queria voltar a ser alfaiate. Já estava com a ideia de mudar os rumos da minha vida e talvez comprar algo não muito grande na cidade, começar pequeno. Eu advogava para o dono de um restaurante local que pediu orientação para a venda do mesmo, uma casa fina. Depois de tomar ciência de toda a situação do empreendimento, ele pediu uns dias para o proprietário, foi para o bar do português que tinha ali perto do canal de Itacuruçá, jogou algumas partidas de sinuca sozinho e acabou voltando para fechar negócio. Até então eu não sabia nada de cozinha comercial. O rapaz que vendeu o restaurante tinha o pai, seu Jaime, como cozinheiro, um engenheiro da Marinha, e a mãe fazia as tortas e doces. Na venda, ficou combinado que o seu Jaime ficaria 15 dias. No primeiro dia, uma segunda-feira, me sentei com seu Jaime, abri o cardápio e o cozinheiro foi explicando a produção de cada um dos pratos. Então seu Jaime foi para cozinha e eu para o salão atender os clientes, e de vez em quando eu ia até a cozinha ver com as coisas aconteciam. Tinha contratado um garçom e uma cozinheira, a Dona Marinete, muito experientes, que trabalhavam para o seu Genoval. Ela foi acompanhando o trabalho do seu Jaime para pegar os macetes. Passados os 15 dias acordados, seu Jaime sumiu e nunca mais o vi. Por gostar de cozinha, apesar de até então só cozinhar para família, comprei um livro de receitas e fui adaptando as receitas de seu Jaime, trocando figurinhas com a Dona Marinete. Depois veio mais uma cozinheira, e eles foram criando as receitas. Hoje em dia, os novos pratos são criados em casa por mim e minha filha. Itacuruçá teve uma época dos saveiros. Muitos saveiros e veleiros circulavam pelo canal e pelas ilhas, aí um dia isso acabou. Começou com o Leo Maximino do Hotel Passamar, que tinha também a Passamar Turismo, fábricas de jóias e joalherias. Depois veio a Saveiros Turco. E isso se dava em função de uma carona que o turista estrangeiro pegava para as “Ilhas virgens”, como uma alternativa aos passeios de sempre na cidade do Rio de Janeiro. Os porteiros dos hotéis vendiam os tours, os turistas pegavam um ônibus até Itacuruçá, embarcavam e iam para as ilhas e voltavam à noite para o Rio. Chegou a ter dois mil turistas por dia. Tinham tantos turistas que mesmo com tantos restaurantes e barcos disponíveis não atendia, então o mesmo barqueiro acabava cuidando de três grupos diferentes, sincronizando as trocas de atividades dos grupos do mergulho do restaurante para a praia, para conseguir atender mais gente. Os restaurantes chegaram a atender de 500 a 600 pessoas – tinham dois muito grandes em Águas Lindas, outro na Ilha Martins, outro na Pitangueira e mais um. E eram feitos espetáculos “para turista ver”, com colares de flores, araras e danças, como se fosse o Havaí. Tinha, inclusive, atendimento a transatlânticos. Eram mais de 50 saveiros e geravam muitos empregos para Itacuruçá, tanto na área náutica como na cultura, como os músicos que tocavam nos barcos, e para o comércio da região. Meu pai tinha uma loja que vendia filmes, chapéus, camisetas, e vendia não só para os turistas, mas também para os garotos que compravam e depois revendiam mais caro na areia para os turistas. Ganhando muitas vezes em dólar, muitos conseguiram comprar casa e melhorar a situação familiar. Isso acabou no início dos 1980, com o aumento da violência, que começou a amedrontar os visitantes e a frequência começou a diminuir. Como toda essa estrutura era muito cara, precisava ter rotatividade, e sem isso o esquema acabou se desfazendo por inteiro. Já o porto começou a ter vida em 1995 e acabou reativando a economia da região depois do baque do fim do turismo de saveiros. O porto não interferiu no turismo de pesca. A mudança de público de Mangaratiba se inicia com a linha de trem, ainda no início do século XX. Mais adiante, quando passa a circular o Macaquinho, fazendo mais paradas, a popularização cresce mais um pouco. A primeira linha de ônibus que passa a circular na cidade, antes mesmo da Rio-Santos, vinha da Baixada Fluminense. Isso faz com que o público comece a mudar e os então frequentadores da região de Muriqui e Itacuruçá, oriundos geralmente da Zona Sul do Rio, passaram a se incomodar com os visitantes mais humildes. Com a Rio-Santos, o acesso fica ainda mais facilitado e há uma explosão de visitantes, principalmente excursionistas de um dia, de forma desordenada. E a cidade não cria um planejamento para esses aumentos de fluxos de turistas, não monta estruturas com receptivos, como banheiros ou estacionamentos para carros e ônibus. Em relação às ocupações, a Praia Grande formou uma associação de moradores forte que conseguiu impedir a construção de quiosques na orla, mantendo a paisagem natural; requisitando uma estação de tratamento de esgoto quando foi feito o plano diretor; deixando a passagem aberta, sem cancelas, mas impedindo a circulação de ônibus e vans. Isso controlou o fluxo de pessoas no bairro e hoje ele é aberto, mas ao mesmo tempo uma das áreas mais valorizadas da cidade. No Sahy, também tem tratamento de esgoto, mas foi construída de forma compensatória à instalação dos condomínios. Quando eu era garoto, a faixa de areia do Iate Clube até a capitania na maré baixa era de seis a oito metros. Da capitania até a entrada do Axixá eram uns 12 metros. O mar enchia e ficava uma faixa de areia pequenininha. Aí veio a MBR com a dragagem do canal, que promoveu uma mudança no fluxo da maré; aí veio a pedreira de Muriqui jogando pó de pedra, fazendo aquele aterro, inclusive, não tinha malacacheta na praia e hoje está cheio de malacacheta. Então a maré passou a trazer aquela areia, foi fazendo um aterro e hoje a faixa de areia de Itacuruçá dá 200 metros, ali em frente à estação. A lama dos mangues acabou – e tinha muita lama, agora tem malacacheta. A Ilha da Pompeba sofreu muito o efeito desses canais e foi levada: era uma ponta de areia, e na Ponta da Pompeba tinha a casa da Dona Rosinha, com água potável, cajueiro, coqueiro, pitangueiras. Os jovens iam até lá e acampavam para pescar. Mas essa mudança do curso foi levando, levando, e hoje só existe a Ponta da Pompeba quando a maré está baixa – na maré alta ela se torna até um risco para a navegação. A praia da Ribeira, no centro de Mangaratiba, sumiu; ficou exposto o muro com seu alicerce; ela continua em transformação. Onde foi atingida, logo na implantação da MBR, voltou a ter praia e onde tinha praia, logo no início da Ribeira para quem vem de Mangaratiba, ali já não tem mais acesso nenhum, apenas na altura do Vistamar. A mudança do canal também afetou a Ilha do Jardim. Entre a Jardim e Itacuruçá, indo para Jaguanum, tinha uma praia, então os terrenos eram valorizados, tendo até um hotel e um restaurante. De frente para Itacuruçá só tinha costeira. Com essa mudança, a areia saiu de lá, veio para frente de Itacuruçá, então onde foi vendido barato porque não tinha praia e agora tem, e onde foi caro porque tinha não tem mais. Ibicuí era a Capri Brasileira e Muriqui era a Copacabana Fluminense. As invasões continuam de casas ricas e casas pobres. Construíram, por exemplo, um condomínio no alto de um morro de Muriqui, e quando chove desce uma lama vermelha. Muriqui já se ligou à Itacuruçá, não tem mais nenhum trecho que se ande entre os bairros sem casas. A água da cidade, que sempre foi muito boa, vindas de cachoeiras, já está se tornando uma questão também. A vazão na captadora, por exemplo, está diminuindo. Rios, como em Muriqui e Itacuruçá, estão recebendo esgoto sem tratamento. No chafariz do Centro, construído em 1800, e que era uma parada dos banhistas no pós-praia para tirar a água salgada. Daí construíram o “condomínio” Vistamar no final da década de 1980 e tomaram conta do morro todo e tiraram a água que ia para o chafariz, que hoje recebe um pequeno filete entre as pedras.

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Marcos Luiz de Souza

MARCOS LUIZ DE SOUZA

MANGARATIBA - CENTRO

Sabe por que a Ponta do Tira Chapéu tem esse nome? Porque os pescadores quando dobravam a ponta da baía, a primeira coisa que avistavam era a torre da igreja, daí tiravam o chapéu em reverência. Nasci em 4 de janeiro de 1957 no Rio de Janeiro e me mudei para Mangaratiba aos 16 anos, pois tinha parentes na cidade. Mas resolvi vir por conta própria. Comecei a trabalhar pescando. Só com 40 anos prestei concurso e passei a trabalhar na Prefeitura, mas sempre ligado à pesca. Muita coisa mudou desde que comecei como pescador. Tinha abundância de pescado e hoje não tem mais, o progresso chegou e foi dizimando, acabando com as coisas. Onde tinha manguezal hoje tem resort, marina. Os pescadores, por ignorância, não sabiam da importância dos manguezais e achavam normal essa destruição. Achavam bom que estava acabando com a lama, mas não sabiam que estavam acabando com a vida. Hoje eles têm consciência, mas já é tarde. Comecei a pescar em 1975/76, tinha meu próprio barco. Na época, tinha muito pescado e camarão, hoje é mais difícil. Os pescadores locais sempre tiveram na mão dos atravessadores, nunca tiveram uma cooperativa, um entreposto, e até hoje vivem na mesma situação. Se perguntar onde pode comprar peixe local, tem; mas se quiser comprar direto do pescador, talvez consiga em Muriqui, na praia, direto na canoa, mas pouco. Os pescadores tentaram se mobilizar algumas vezes, mas a força do comércio e da política era forte e eles acabavam sempre perdendo. O problema da pesca é que se passou muitos anos desenvolvendo, mas de forma predatória, industrial, com aparelhos que pegam tudo e matam tudo. Então depois que diminui os estoques de maneira considerável é que se cria leis, mas aí cria para o pobre, que é pescador pequeno, que não tem nada e tá ali pescando há 500 anos. Dizem para o pescador: “Você não pode pescar isso, nem aquilo”, e o pequeno pescador: “Eu? Mas eu que vou pagar?”. Aí criam as leis e botam em cima do artesanal. Eu pescava mais na região da Vila. Mas o pescador de uma certa forma é meio nômade. Porque o peixe é sazonal. Em uma certa época dá um peixe, e se não dá, ele tem que sair para outras áreas para pescar e sustentar a família. Já sai para pescar lula na Ilha das Couves, em São Paulo. Dependendo do barco é um dia de viagem. Eu tinha um barco pequeno, que mal dava para dormir, havia apenas um fogãozinho com uma pequena panela. Quando cheguei em Mangaratiba estavam fazendo o porto. Depois da construção piorou muito para o pescador. O progresso só é bom para alguns segmentos, mas para o pescador, não. A gente fazia arrasto de praia, pegava os peixes que queria e os que sobravam deixavam para trás porque não tinha nem para quem vender. Com o progresso chegou mais gente para comprar, mas veio de maneira muito rápida com a rodovia Rio-Santos. Hoje, a maioria dos pescadores do Centro de Mangaratiba moram nos morros. Não têm um rancho na beira da praia mais, foram proibidos de fazer isso. Antes todos tinham seus ranchinhos. A infraestrutura acabou, e com isso perderam a identidade caiçara deles. A cultura caiçara está escorrendo entre os dedos. Minha família é toda de origem caiçara, da Vila. Meu pai que tinha debandado para o Rio. Os caiçaras são uma mistura de negros, índios e brancos. O problema da cultura caiçara é que, se ele conseguir com o Ibama uma autorização para pegar um tronco na mata para fazer uma canoa caiçara, não tem mais ninguém na cidade que saiba fazer. Tem que ir até Paraty para buscar alguém que saiba. Sem contar que todo mundo que chega na cidade quer comer peixe com banana, que é uma comida caiçara. Já morei na Praia do Saco muitos anos. Hoje moro na Vila. Não houve um cuidado na preservação da cultura e ela se perdeu. O turismo mais atrapalha do que ajuda. Vou contar um caso: eu estava pescando na Boia Nove e tinha um barco de turistas de pesca. Quando fui colocar a rede, um dos turistas tirou uma arma, apontou para mim e mandou: “Tira agora!”. Eu estava trabalhando e o cara se divertindo, mas tirei a rede e fui embora. Então esse tipo de coisa inibiu muito os pescadores, que hoje acabam preferindo levar os outros para passeios de pesca do que pescar, porque ganham mais dinheiro e sofrem menos. Sou da Coordenação da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Marinhas e Costeiras do Brasil. Eles pedem muito essa visão, de quem esteve dentro d’água. Às vezes questiono algumas coisas e alguém se impõe: “Eu sou engenheiro de pesca!” e eu digo: “Você já molhou o pé no mar, cara? Com todo respeito, mas não dá.”. Não entra na minha cabeça que uma pessoa que se diz engenheiro de pesca não conheça uma cocoroca: “Pode ter uma teoria linda, mas praticamente...”. Hoje estamos em uma luta ferrenha e que muita gente na cidade nem sabe que está acontecendo. O governo estadual, com apoio do federal, está colocando na baía de Sepetiba quatro termelétricas flutuantes. Isso vai ser um desastre total! Além da devastação que fizeram nos manguezais, nas matas ciliares e de restinga, vai impactar na fauna de toda a baía. O Centro faz parte da baía de Ilha Grande, mas, a partir de Ibicuí, as praias já fazem parte da baía de Sepetiba - da Guaíba para dentro, da Guaíba para fora é a da Ilha Grande. As obras de portos e estaleiros que foram feitas na região já deterioraram muito a baía e agora vem outro porto com uma capacidade de milhões de toneladas de capacidade. Não foram feitos os estudos ambientais necessários. Com uma canetada o governador liberou a implantação. Muitos perguntam o que eles têm a ver com algo que vai ser lá em Itaguaí. Eu explico que o canal é um só, que o camarão que nasce lá, se deixar de nascer, não vai ter mais cardume de peixes passando aqui para ir lá comer. Mangaratiba tem uma relação com o mar maior do que com a terra. A igreja, por exemplo, é de Nossa Senhora dos Navegantes. Infelizmente, hoje as pessoas não têm mais esse cuidado com o mar, mas é a coisa mais linda e preciosa da cidade. Uma vez tentei convencer um padre a deixar a santa ir em procissão no barco dos pescadores e ele negou, dizendo que tinha que ser em tal lancha. Argumentei que a santa não gosta das lanchas grandes e sim dos barquinhos e que, antigamente, eram os barquinhos que a levavam na procissão. A santa vai em procissão saindo do cais, rodando toda a baía e voltando. Antigamente era muito barco, todos os pescadores eram devotos, eram mais de cem barcos que saíam enfeitados. Era a principal festa da cidade. Hoje, quem leva a santa é a lancha que faz o trajeto para Ilha Grande e meia dúzia de barcos seguem. Foi diminuindo porque faltou o cuidado com a cultura, porque isso também faz parte da cultura. Um garoto novo hoje, pescador, mal sabe a história de Nossa Senhora da Guia. A Capitania dos Portos não incomodava os pescadores porque sabia que eles cuidam do mar como o quintal de casa. Hoje não, tem que registrar e cumprir uma série de burocracias. Se cair uma árvore Bacurubu, que cai normalmente em 50 anos, e o pescador for lá pegar para fazer uma canoa, o Ibama pega. O órgão vai deixar o cupim comer, mas não vai deixar o pescador fazer uma canoa caiçara. As canoas eram feitas direto na mata e levadas para a praia só para o acabamento. Eram feitas assim até os anos 60 ou 70, cheias de técnicas rudimentares. Se perguntarem se sei “tirar uma canoa”, digo que não, mas sei quanto ela mede de boca. Meu avô ensinou que tem que pegar um barbante e botar na proa, levar até a popa, pegar o barbante e dobrar em quatro, que dá o tamanho da boca. Em Mangaratiba não cheguei a ver construtores de canoa caiçara, só em Paraty. Os pescadores locais iam comprar canoa lá. Antigamente vinha cachaça e farinha de Paraty em canoa a remo. O Tancredo, ex-PM que mora na cidade, diz que o braço do avô era enorme, que parecia um touro. Eram seis homens remando uma canoa com produtos para trocar, fazer escambo. As canoas chegavam com peixes e as pessoas compravam na beira da praia com os canoeiros.

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Almir Teixeira Ramalho

ALMIR TEIXEIRA RAMALHO

MANGARATIBA - CENTRO

Meus pais José Ramalho e Marieta Teixeira Ramalho eram de Mangaratiba. Por necessidade de emprego, vieram morar em Nova Iguaçu, mas a família deles ficou em Mangaratiba. Meu avô Pedro Ramalho Bastos e sua esposa Maria Amélia de Jesus tiveram cinco filhos: meu pai José Ramalho, meu tio Antônio, minha tia Sebastiana, meu tio Pedro Ramalho e minha tia Maria. Eu lembro que meu pai reunia a família e íamos passar as férias em Mangaratiba na casa de familiares. Lembro que pegamos o trem Macaquinho em Santa Cruz com destino a Mangaratiba e durava umas duas horas de Maria Fumaça. Passamos as férias num ambiente maravilhoso junto aos familiares. Hoje, com 68 anos, tenho boas lembranças daquela época. Creio que o homem sem passado não tem razão de viver.

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Leopoldo Heitor Mendonça Vaz

LEOPOLDO HEITOR MENDONÇA VAZ

MURIQUI

Meu avô, Manoel Mendonça, pai do meu tio Umberto Mendonça, que tinha um bar e lanchonete ao lado da prefeitura de Mangaratiba, ficou amigo do famoso Madame Satã, ex-presidiário do presídio da Ilha Grande. Ele já estava em liberdade e vinha todo mês a Mangaratiba para encontrar a atriz Norma Bengell, sua protetora, que lhe trazia medicamentos e alimentos. Eu, apesar da pouca idade, participava das rodas de conversas. Ele contava as suas experiências de vida, a sua vida lá na boemia da Lapa, enfim. Foi ali que eu conheci o famoso Madame Satã e suas histórias!

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João Luiz Vasconcelos de Carvalho

João Luiz Vasconcelos de Carvalho

Serra do piloto

Nascido em 23 de junho de 1960 na Serra do Piloto e criado na Praia do Saco. Lá não tinha nada, era um areal com uma área de plantas. Eu morava na parte de cima, no Moraes. A água sempre invadiu. Foi aterrado, mas a água sempre tomou tudo. Tinham diques de areia, mas ainda assim a água invadia. Eu brincava na praia, corria. Mas não tive muita infância e adolescência porque precisei trabalhar muito cedo. Inclusive, em 1973, fui expulso da escola Coronel no 3º ano primário. Aí depois dos 13 anos tive que trabalhar, então não tenho boas recordações dessa época. Trabalhei seis anos como açougueiro e 14 como carreteiro. Hoje, sou despachante público, documentarista e corretor de imóveis. Comecei como açougueiro do José Maricá, em frente ao Magno, da Farmácia. Do outro lado tinha o restaurante do Sebastião Queiroz de Almeida. Eu ia do Saco ao açougue a pé, e o trajeto era tranquilo. Minha família nasceu aqui. Gente de Muriqui, Praia do Saco, Ingaíba... De alguma forma somos parentes da família da Mirian Bondim, mas todos espalhados. As pessoas conversavam muito, eram família, não vizinhos. Hoje não tem mais isso. Frequento Lídice agora, que me lembra como era Mangaratiba antigamente. Moro na Serra do Piloto e sempre gostei de mato, deixei de chegado à praia. Trabalhei no serviço público por muito tempo. Tive muitas funções na prefeitura. Atingi o ápice na política sem ser indicado por ninguém, apenas pelo meu próprio trabalho. Sinto que o município teve algumas mudanças boas, mas isso trouxe alguns transtornos que não estávamos preparados para suportar. Nos últimos anos, a cidade passou por muitos problemas de instabilidade política, que faz com que fique insegura para quem investe no local. A confiabilidade na cidade hoje é zero. Acho, inclusive, que é um panorama geral da política brasileira. O assédio para quem trabalha nos serviços públicos é altíssimo. Sempre recusei ser gestor de orçamento para não ter que ficar suscetível a investidas de corruptores. Muita gente reclama da saída do trem, mas além de ter beneficiado a Vale, hoje o trem traria muito transtorno, com a invasão das pessoas de outras cidades. De carro é mais difícil e ainda assim chegam. Na década de 1970 houve uma invasão, com arrastão, pelo município todo. Saquearam de Santa Cruz até o Centro de Mangaratiba. Houve uma época em que Conceição de Jacareí recebia mais de 150 ônibus por dia. Hoje tem uma lei que faz o controle em toda a região de praia. A rodovia Rio-Santos trouxe muitos benefícios e transtornos também, mas principalmente benefícios. Como técnico da prefeitura (Superintendente de Trânsito) mandei fechar o cruzamento da estrada na Praia do Saco e fazer um trevo, há uns dez anos, que ali tinha morte semanalmente. Fui até preso e conduzido à delegacia por “invasão de domínio”, conflitos de interesses, e coisas assim. Um dia estava chegando e tinha acontecido a morte de um senhor e uma criança, então decidi não esperar mais e fechei com latão de lixo. Arrumei briga com as autoridades, mas de lá para cá, não houve mais óbitos nem acidentes. Me orgulho muito de ter feito isso. Me orgulho também de ter arrumado a estrada da Serra do Piloto, a Estrada de Três Voltas. Toda semana tinham que subir com máquinas para tirar carros ou ônibus que caíam ali. Um dia, ia ter uma festa na cidade e um caminhão caiu ali, fechou a estrada, impedindo que uma ambulância descesse. Eles proibiram que fechasse a estrada, mas fui lá, na marra, e mexi na estrada, alargando. Nunca mais caiu um caminhão ou carro. Se fosse hoje, os caminhões que estão lá tirando a terra que caiu não conseguiriam trabalhar porque não passava. Tive que responder ao IPHAN, mas depois viram que eu tinha razão e não perturbaram mais. Fiz muitas ações para melhorar a questão da mobilidade na cidade, mas a maioria das pessoas que entram para os cargos importantes não estão interessadas em trabalhar. Eu ganhava muito bem, com carro, comida e privilégios, mas dentro do município as pessoas não têm interesse. O município é muito carente. Tem que amar o município. Tudo o que conquistei foi aqui dentro, não precisei sair. Graças ao porto, que hoje anda meio fraco, mas que trouxe muito movimento para a cidade. Eu tenho um táxi e sempre revezei com o caminhão, que vendi há pouco tempo. Sinto falta dos encontros de praça, dos carnavais. Os espaços da cidade estão sendo tomados pelos carros. Não tem mais espaço para se sentar e desfrutar. O “garrafão”, ou bolsa de estacionamento, na frente da igreja, deveria ser um centro de encontro, uma praça, algo para tirar o munícipe de casa. No meu aniversário, estou me programando para, no final de semana, ir passear em outra cidade porque aqui não tem nada para fazer. Todos os secretários de turismo que passaram pela cidade até hoje só sabiam vender shows e não fizeram nada por Mangaratiba. O Legislativo e o Executivo deveriam se unir e criar alguma coisa para melhorar a vida da cidade porque o tempo está passando.

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Julieta Gabriel Santos

Julieta Gabriel Santos

Mangaratiba - Centro

Nasci em Mangaratiba em 1935, sou irmã da Georgette. Somos filhas de libaneses. Numa visita à cidade de Mangaratiba meu pai ficou impressionado com a região por se parecer com sua terra natal no Líbano. Comprou o imóvel que era a farmácia, colado à propriedade dos Cavalcanti, onde abriu um armarinho. Minha irmã e eu já nascemos na casa nova. Ficamos amigos da família Cavalcanti, cujo quintal a gente roubava frutas. Ainda quando éramos adolescentes minha mãe teve um AVC e passei a cuidar dela. Somos católicas praticantes, frequentamos as missas de domingo toda semana e participamos das atividades da igreja desde muito meninas. Participamos das Pastorinhas, encenação de Natal que saía cantando pela cidade e batendo nas portas dos moradores arrecadando dinheiro para a igreja. Também participamos das organizações das festas da paróquia. Minha irmã e eu nos casamos na igreja da cidade. Lembro que no dia do meu casamento acordei cedo para acender o fogão à lenha, porque minha mãe era doente e eu que era responsável por essa tarefa na casa todos os dias. Me casei e continuei morando na cidade. Meu marido era funcionário dos Correios e passei a fazer costura para fora. Faço até hoje. Agora, curto os meus filhos e netos. Genny, Georgette e eu somos muito amigas e frequentamos a casa uma das outras, no Centro. Andamos meio afastadas das atividades da igreja nos últimos anos porque o padre que assumiu a paróquia não incentiva mais as festas, e depois veio a pandemia, então ficamos os últimos dois anos sem nem ir à missa porque não tinha.

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Georgette Gabriel Georges

Georgette Gabriel Georges

Mangaratiba - Centro

Nasci em Mangaratiba no ano de 1933 e sou filha de libaneses. A família tinha vindo para o Brasil no começo do século XX, morou primeiro em Barra do Piraí, depois se estabeleceu em Mendes. Meu pai veio em 1920 e começou a trabalhar de vendedor, também conhecido como caixeiro viajante. Numa viagem, conheceu a mulher que seria sua esposa, se apaixonou à primeira vista e já marcou a visita seguinte levando a mãe, para que conhecesse a futura nora. Numa visita à cidade de Mangaratiba, ficou encantado com a região por se parecer com sua terra natal no Líbano e, já com cinco filhos, mudou-se com a família para a cidade, comprando o imóvel que era a farmácia, colado à propriedade dos Cavalcanti, onde abriu um armarinho. Minha irmã Julieta e eu já nascemos na casa nova. Lembro que as ruas eram de barro e que, quando chovia, o córrego do Choro, na rua de trás, enchia e inundava levando a água até quase dentro dos imóveis. O calçamento só chegou em 1950, mas ainda de pedras, o asfalto veio mais de dez anos depois. A água de beber vinha da bica chamada 'Toca da Velha', onde ia buscar água uma vez por semana com a empregada. Frequentamos a escola de Dona Cordélia, e ficamos amigas de Genny. A mãe dela traduzia os jornais brasileiros para meu pai, que não sabia português. Ele era muito conservador em relação a modernidades, então demoramos para ter fogão ou geladeira. O fogão à lenha ficou até os anos 1960, com a serpentina esquentando a água do banho. A cidade não tinha luz elétrica até os anos 60, e mesmo quando chegou a luz era muito fraca, iluminava muito pouco. Estudamos só o primário, hoje fundamental, porque “casar era mais interessante”. Frequentamos a praia desde bebês, com minha mãe. A juventude da cidade se encontrava no coreto para dançar, ao som de uma vitrola, quando não tinha baile mensal no clube. O coreto também era lugar de namorar, sempre no jardim de cima, que ficava mais escuro e não dava pra ver. Além das atividades dos clubes, ainda tinha o cinema, com filmes e com os teatrinhos feitos por eles mesmos. Participamos dos blocos de carnaval, com fantasia e máscara e saía pelas ruas. Gostava de participar dos diversos concursos, como o que escolheu o nome do café produzido na cidade, ou o de descobrir quem era o mascarado, que acontecia na farmácia. Ainda adolescente, me tornei enfermeira assim que o hospital foi inaugurado na cidade, em 1948, sendo a funcionária nº 1. Trabalhava com os médicos e as freiras trazidas do Ceará para atender as pessoas. Depois de 9 anos de serviço me demiti para me casar. Morei em Mangaratiba ainda depois de casada, mas depois me mudei para o Rio de Janeiro, para a Tijuca, de onde só saí há poucos anos, quando fiquei viúva e sozinha. Há sete anos, voltei a morar aqui com minha irmã Julieta.

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Manoel Firmino

Manoel Firmino

Fazenda Santa Justina

Nasci na Fazenda Santa Justina em 1933. Meus pais eram pobres. Era uma vida difícil. Hoje posso falar, antigamente não podia falar, não. Lembro que a fazenda era uma maravilha, mas a vida era ruim, dura. Ninguém da minha família recebia salário. Nenhum dos empregados recebia. Comíamos a comida da fazenda e usávamos roupas e objetos que recebíamos. Eu era garotinho ainda e já tinha que trabalhar para o fazendeiro, Não recebia nada, eu só tinha o direito de estudar. A família Breves tinha um orfanato e criavam muitas crianças, então tinham vários outros garotos além de mim. Às vezes, a gente se juntava para jogar bola, mas mal começava e já era chamado para o trabalho. Na minha infância não tinha nada de bom. Nasci escravo, me formei escravo e existi escravo. Agora que melhorou um pouco. Conheci minha avó ainda escravizada. A fazenda foi o único lugar que ela conheceu. Hoje é considerado quilombo porque não saímos da terra onde meus antepassados viveram como escravizados. Nunca morei em outro lugar. Minha mãe era cozinheira da fazenda. Ela me levava para o trabalho e eu ficava no meio dos fazendeiros. Tinha muito serviço de roça, na plantação de milhos, na lida com bois. Depois entrou na fábrica de Bananada Tita e meu pai e começamos a trabalhar lá. Meu pai trabalhava fazendo doces. As crianças voltavam da escola, tiravam o uniforme e iam para a fábrica. Exigiam que as crianças fossem embalar doce às vezes até durante toda a noite. Cresci trabalhando na fábrica, o tempo inteiro sem ganhar nada. Casei em 1961 com Ernestina, aos 28 anos, e permanecemos na mesma casa na fazenda, onde tivemos e criamos nossos filhos. Lembro que Vitor Breves e o “pessoal de fora” eram muito bons. Ele ajudou várias pessoas, mas o pessoal de lá, não. Só queriam que a gente trabalhasse. A gente comprava um negócio e eles queriam saber com que dinheiro. Eles não tiravam as coisas que a gente comprava, mas questionavam com que dinheiro tínhamos comprado já que não recebíamos nada. Só fui receber salário nos anos 1960. Na fazenda, além da produção de bananada, se plantava muita coisa, como arroz, café, laranja e, especialmente, banana. Era época do Seu Armando Peixoto. Tinha também uma olaria de tijolos e a usina de luz onde, inclusive, perdi um irmão eletrocutado. Deram uma mixaria para a viúva e disseram que iam dar indenização para as crianças, mas ela disse que nunca viu esse dinheiro. Era a fazenda mais produtiva de Mangaratiba. Tinha gado leiteiro e vendia muita manteiga e leite para o centro de Mangaratiba. Eu saía de carrocinha e tabuleiro oferecendo pelas ruas. Não me lembro quando foi que a olaria da Santa Justina parou de funcionar, só que foi há muito tempo. A Fazenda Santa Izabel também tinha a olaria do Seu Armando Peixoto, que produzia as telhas que ficaram famosas na cidade. Com o fim da fábrica, em 1968, passei a ser administrador da fazenda e foi o que fiz até depois de me aposentar. Uma grande decepção foi quando o último proprietário da fazenda, antes da venda, me chamou para conversar. A gente se sentou no sofá e eu estava com a perna quebrada de um acidente de trabalho. Ele disse: “Foi Deus que mandou o senhor quebrar a perna, porque eu queria tirar você do trabalho e não tinha como. Não dá mais dinheiro para ele porque não trabalha mais comigo”. Eu já estava aposentado, mas continuava trabalhando. Hoje vivo apenas da aposentadoria. O que eu gosto de Mangaratiba é a tranquilidade. Não é como era antes, mas ainda é tranquilo. Sinto falta do trem e gosto muito do hospital, onde sempre sou muito bem atendido.

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Luciana Luísa de Souza Fernandes

Luciana Luísa de Souza Fernandes

SERRA DO PILOTO

Eu nasci no hospital de Mangaratiba em 1978 e depois subi a Serra do Piloto. Minha família materna era de São João Marcos, da Benguela e do Rubião. Vieram de São João Marcos para a Serra com a inundação, em 1941. Eram descendentes de portugueses e espanhóis, mas meus avós nasceram em São João Marcos. Sempre morei em frente à estrada, que era cheia de uma flor chamada beijo. A água sempre corria pelas canaletas laterais. Por volta de 1980, a estrada de pedras começou a ser coberta por saibro que era trazido em caminhões. Estudei até a 4ª série na escola da Serra, e depois, durante 12 anos, desci pra estudar na vila, no João Paulo. Volta e meia subia e descia a pé, porque às vezes o ônibus quebrava, ou atolava, ou caia barreira. Nas semanas de provas, por exemplo, eu não podia faltar. Uma vez, quebrou o ônibus e já eram dez da noite e ainda não tinha chegado em casa, porque era muito longe. Foram anos de muito esforço. Uma das coisas que mais recordo da infância são as festas de São João Marcos. Meu pai era um grande incentivador e adorava o leilão de gado. Eu o acompanhava para apanhar o gado doado nas fazendas. A festa acontecia no dia 27 de setembro, dia de Nossa Senhora Aparecida de João Marcos. Acontecia missa na igreja católica, procissão com andores que carregavam a Santa, o canto do hino de São João Marcos pelo coral, tinha barraquinhas tradicionais, leilão de gado e, no galpão ao lado, tinha apresentações e um show de trio forrozeiro, e o povo amanhecia dançando. Minha avó ajudava na cozinha e doava recursos para igreja com a venda de comidas. Como nunca acontecia nada na Serra, essa festa era muito esperada não só pelos moradores, mas por gente de toda a região. A imagem de São João Marcos foi primeiro para o Rubião, mas os fazendeiros derrubaram a igreja construída para ele depois de um conflito, e aí foi levado para a Serra. Lembro também do presépio que Antonio Padre fazia na igreja. Eu era criancinha, de cinco ou seis anos, e ficava contemplando cada detalhe das imagens. Depois do Antonio Padre, a festa ainda se manteve, mas um padre modificou a data e acabou atrapalhando a tradição, porque confundiu as pessoas que participavam da produção e na visitação. A Fazenda da Lapa também marcou minha infância, pois era do Doutor Carneiro, que atendia as crianças das famílias locais quando estava lá. Na região não tinha atendimento médico. Antes da energia elétrica, era outra realidade. Ninguém tinha luz, TV, nem nada. A luz chegou entre 1984 e 1985. Nos anos 1990, resgatamos a Folia de Reis e eu participava muito dos ensaios, que eram no Rubião, em uma casa onde a associação se reunia. Faziam várias apresentações em São João Marcos, no Rio de Janeiro, na vila e em outros lugares. Ganharam prêmios, o que foi muito importante para a comunidade. Hoje, trabalho na escolinha de São João Marcos, onde estudei e me formei. Está reformada, tem várias salas e tem aumentado o número de alunos, mas continua com a mesma essência. Gosto muito de ser professora na Serra e ensino para os meus alunos a importância da preservação da história e do patrimônio locais. Sobre a “modernização” da estrada, recordo que quando o saibro era novo a estrada ficava ótima, mas depois de algum tempo começava a ficar falhado e muito ruim. Em 2012, o governo decidiu “modernizar” a Estrada Imperial, retirando as muretas de proteção, as pontes, as canaletas de escoamento de água e as pedras centenárias. A estrada seria ampliada. Em contato com Miriam Bondim, passamos a acionar as autoridades do patrimônio para que isso não acontecesse e conseguimos que a estrada fosse apenas asfaltada. Mas, no primeiro dia da obra, os funcionários chegaram destruindo tudo, como no plano original. Liguei para Mirian e, junto com a família, nos colocamos na frente das máquinas para evitar a destruição, num protesto que durou muitas horas. Desci às pressas até o Centro para avisar as autoridades do patrimônio sobre o que estava acontecendo, engenheiro responsável acabou vindo do Rio de Janeiro e finalmente corrigiu a orientação aos operários. Alguns dias depois era a inauguração do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos. A responsável pelo patrimônio, ao chegar e ver a obra ficou indignada, pois não tinha autorização para acontecer. A obra ficou parada por meses, com a estrada toda problemática, até que foi regularizada. Foi definido que, em três trechos da estrada, seriam feitos recortes no asfalto e restauração do calçamento original para que as pessoas pudessem apreciar a história da estrada. Mas, no meio da obra, os casos de corrupção pipocaram e o dinheiro sumiu, deixando as pedras expostas em trechos ainda não restaurados, cobertos de camadas antigas de terra e saibro.

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