Nasci em 1971 no Centro de Mangaratiba. Minhas memórias são da vila, do centro histórico. Morava numa casa “na calçada”, então a infância foi brincando na rua. Tomava banho de água doce no chafariz depois da praia, jogava futebol na rua de paralelepípedo, ia para o cais mergulhar da ponte. Lembro da vala onde brincávamos e foi canalizada e hoje é o beco. Tinha água corrente, peixinhos, era toda ladeada por pedras. Os quintais das casas davam nesse riozinho, então as crianças acessavam as casas pelos quintais de trás. Na época de Copa do Mundo, pintavam as calçadas, e no verão, sentavam nas calçadas para conversar. Eu tinha muita relação com os pontos históricos da cidade. Além do chafariz, tinha a praça, que era de saibro, onde a gente jogava bola de gude e, na maré cheia, pulava da ponte. Também frequentava a praia de Mangaratiba, hoje imprópria. Cheguei a pegar o finalzinho da época do trem. Fazia cerol de pipa no trilho do trem, amassando o vidro e deixando sobre os trilhos para o trem triturar. Lembro bem da transição do Centro: o trem parou de vir, mas deixaram os trilhos. Com os trilhos não passava carro, então naquele percurso as pessoas tinham que andar a pé ou nos troles, veículos adaptados para andar sobre os trilhos com rodas de carros. Era muito usado para transportar material de construção e outras coisas mais pesadas pela avenida litorânea. Era empurrado com vara de bambu e pegava uma boa velocidade. Sempre pegava carona com o Nilsinho. A Rede Ferroviária tinha os assentados, gente que trabalhava na manutenção e que morava ao longo da linha e, depois que morriam, deixavam os herdeiros nas casas. Na Praia da Ribeira, tinha os gêmeos idênticos Valdomir e Valdecir, e o Mi tinha um trole, que fazia esse serviço de transporte. Diz que o pessoal ia a pé pra praia, mas na volta, cansados, pegavam carona com o Mi. Meu avô era da Ingaíba, foi morar na vila, depois trabalhou com caminhão e transporte para a prefeitura. Então, muitas vezes ele fazia o transporte do pessoal para as festas de Rio Claro e de São João Marcos. Uma das fotos mais icônicas do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos é do meu avô na janela do jipe. A Serra do Piloto era meu passeio de domingo. Minha família sempre fazia piqueniques ou visitava o sítio de alguém, porque tínhamos uma relação muito próxima com os moradores da Serra. Meu avô caçava e conhecia todas as pessoas da região. Lamento que a caça ainda exista, ainda mais de forma predatória. Assim como se tira palmito indiscriminadamente. Meu pai, advogado também, recebia galinhas, cágado, tatu e outras coisas como forma de pagamento. Lembra que, na infância, não tinha defensoria pública em Mangaratiba. Então meu pai, que era advogado, atendia as pessoas mais pobres e recebia muita coisa da Serra como agradecimento por seus trabalhos. Lembro do Antônio Padre, uma referência muito forte para todos. A relação veio das atividades na igreja, mas nunca foi padre. Ele criou um espaço em seu sítio, próximo ao acesso de São João Marcos, em Ponte Bela, onde ficava de portas abertas para receber qualquer um que chegasse. Recebia, inclusive, visitas internacionais, como padres alemães relacionados à história do santo. Era um local de troca, onde as pessoas que tinham fome entravam e comiam e, quem podia, deixava algo para que os outros comessem. Além de ele ter um acervo de fotos de São João Marcos, que foi para o Centro de Memória de São João Marcos. Há alguns anos me tornei proprietário da Fazenda da Lapa. Um dia recebi o neto do Doutor Cordeiro, Enrico. Ele contou que a fazenda era maior, alcançava todo o entorno do Rio da Lapa. Em um momento, juntou-se com a Fazenda Piloto em uma única propriedade, onde se produzia café, e depois tudo foi loteado. Os nomes dos sítios variam em torno de Nossa Senhora de Fátima. A capela foi um pagamento de promessa do Dr. Carneiro em agradecimento pelo parto de sua esposa ter transcorrido bem depois de uma gravidez de risco da qual nasceu o pai de Enrico, filho temporão. Minha relação com a Serra inicialmente era curiosa, mas com os anos foi se tornando mais frequente e hoje é bem próxima. Me apaixonei pela estrada e sua engenharia admirável, que é um marco histórico, com pontes de pedras encaixadas, num trabalho como era feito nas melhores estradas da Europa da época, e pela Serra e suas riquezas naturais, que ainda está se mantendo, apesar de ser uma mata terciária, que passou pelo ciclo do café, da banana e do carvão, mas voltou. O perfil econômico da Serra foi mudando. A banana foi muito importante economicamente e muitos ali conseguiam viver da banana em suas terras, que era rentável. Foi o último ciclo econômico agrícola. Com a queda da banana, muita gente não esperou a 'levantada' que a Rio-Santos proporcionaria e se desfez de terras por uma bagatela. Muitas áreas que foram tomadas por condomínios eram de famílias que viviam da terra de alguma forma; que a própria Ilha Guaíba, que hoje é dominada pelo porto da Vale, tem uma vila de moradores que foi minguando com o fim da economia agrícola. Há alguns anos me candidatei à Prefeitura, numa chapa com Silvio, mas perdemos. Hoje, faço parte da Associação dos Empreendedores de Turismo de São João Marcos, junto com Lucimary, e luto pela preservação da Serra do Piloto e da Estrada, além da melhoria na qualidade de vida dos moradores.