ERNESTINA DA SILVA FIRMINO

Ingaíba

Nasci na Ingaíba em 1939, em uma casa de sapê sem paredes, pois minha família era muito pobre. Comecei os estudos, mas a escola ficava longe, era preciso atravessar três cachoeiras para chegar, então acabei desistindo. Quando tinha 8 anos, meus pais e eu fomos levados para morar e trabalhar na Fazenda Santa Izabel e, durante muito tempo, continuamos morando em casas de sapê. Ainda criança, fui levada para trabalhar na casa de Seu Zé Miguel e Dona Maria, cunhada do Sr. Vitor Breves, em Copacabana, Rio de Janeiro. Quando eu errava alguma coisa, ela batia muito em mim, tirando sangue. Adolescente, tentei ir embora e Dona Maria não deixou, me batendo muito. Foi quando eu corri para a casa de Dona Tita, mulher do Sr. Vitor Breves, que me acolheu e me mandou de volta para fazenda, para trabalhar na casa de Dona Helena, filha do Sr. Mario. Na casa da Dona Helena não comecei a trabalhar como cozinheira. Não apanhava, mas o trabalho era muito duro. A família recebia convidados e todos ficavam jogando cartas até madrugada, e eu e outra funcionária, a Eurídice, tínhamos que ficar acordadas servindo a todos até que fossem dormir. Eu não recebia salário, só as visitas davam gorjeta na hora de ir embora da fazenda. Passei boa parte da vida assim, servindo como cozinheira na casa da fazenda, sem salário nem instrução. Aos 21 anos, em 1961, me casei com Manoel Firmino, também funcionário da família, nessa época, da fábrica da Bananada Tita. Foi quando eu pude começar a frequentar a escola do Seu Dinão, que ficava numa casinha acima da fábrica, perto da Dona Nair, onde finalmente fui alfabetizada, mas não fiz estudos formais. A vida era muito simples e muito dura. Só saímos da fazenda se fosse muito necessário e sempre a pé. Quando alguém ficava doente à noite, pedíamos ao Davi que levassem de caminhão ao médico. Trabalhei como cozinheira na casa sede ainda por muitos anos, até me aposentar. A família ainda mora no mesmo lugar. Minha casa é uma das únicas que tem luz elétrica. Isso permitiu que meu filho Marcelo pudesse trabalhar como artesão, esculpindo as madeiras que ele encontra caídas pela fazenda. Marcelo se casou e construiu a sua casa bem próxima, com madeira e barro. Com a venda da fazenda, vieram as ameaças e os conflitos. Passei a ter muito medo de tudo, tremer de medo, e ter dificuldade para dormir. Os quilombolas não sabem nem quem são os novos donos da fazenda porque nunca vieram conversar. Mesmo na audiência, só foi o advogado. As ameaças só abrandaram quando Miriam Bondim e Vânia Guerra começaram a ajudar e entraram com os dois processos que estão tramitando na Justiça. Foi só aí que o meu medo começou a diminuir, mas ainda não sumiu: quando ouço qualquer barulho já penso logo que pode ser tiro. Hoje estou um pouco mais esperançosa com o que estamos conquistando. O que mais gosto de Mangaratiba são os vizinhos.

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