Nasci em Mangaratiba no ano de 1933 e sou filha de libaneses. A família tinha vindo para o Brasil no começo do século XX, morou primeiro em Barra do Piraí, depois se estabeleceu em Mendes. Meu pai veio em 1920 e começou a trabalhar de vendedor, também conhecido como caixeiro viajante. Numa viagem, conheceu a mulher que seria sua esposa, se apaixonou à primeira vista e já marcou a visita seguinte levando a mãe, para que conhecesse a futura nora. Numa visita à cidade de Mangaratiba, ficou encantado com a região por se parecer com sua terra natal no Líbano e, já com cinco filhos, mudou-se com a família para a cidade, comprando o imóvel que era a farmácia, colado à propriedade dos Cavalcanti, onde abriu um armarinho. Minha irmã Julieta e eu já nascemos na casa nova. Lembro que as ruas eram de barro e que, quando chovia, o córrego do Choro, na rua de trás, enchia e inundava levando a água até quase dentro dos imóveis. O calçamento só chegou em 1950, mas ainda de pedras, o asfalto veio mais de dez anos depois. A água de beber vinha da bica chamada 'Toca da Velha', onde ia buscar água uma vez por semana com a empregada. Frequentamos a escola de Dona Cordélia, e ficamos amigas de Genny. A mãe dela traduzia os jornais brasileiros para meu pai, que não sabia português. Ele era muito conservador em relação a modernidades, então demoramos para ter fogão ou geladeira. O fogão à lenha ficou até os anos 1960, com a serpentina esquentando a água do banho. A cidade não tinha luz elétrica até os anos 60, e mesmo quando chegou a luz era muito fraca, iluminava muito pouco. Estudamos só o primário, hoje fundamental, porque “casar era mais interessante”. Frequentamos a praia desde bebês, com minha mãe. A juventude da cidade se encontrava no coreto para dançar, ao som de uma vitrola, quando não tinha baile mensal no clube. O coreto também era lugar de namorar, sempre no jardim de cima, que ficava mais escuro e não dava pra ver. Além das atividades dos clubes, ainda tinha o cinema, com filmes e com os teatrinhos feitos por eles mesmos. Participamos dos blocos de carnaval, com fantasia e máscara e saía pelas ruas. Gostava de participar dos diversos concursos, como o que escolheu o nome do café produzido na cidade, ou o de descobrir quem era o mascarado, que acontecia na farmácia. Ainda adolescente, me tornei enfermeira assim que o hospital foi inaugurado na cidade, em 1948, sendo a funcionária nº 1. Trabalhava com os médicos e as freiras trazidas do Ceará para atender as pessoas. Depois de 9 anos de serviço me demiti para me casar. Morei em Mangaratiba ainda depois de casada, mas depois me mudei para o Rio de Janeiro, para a Tijuca, de onde só saí há poucos anos, quando fiquei viúva e sozinha. Há sete anos, voltei a morar aqui com minha irmã Julieta.