GERALDO BERTILO

ITACURUÇA

Nasci em 1956. Meu avô pernambucano era da Marinha e, numa visita à região, conheceu minha avó, em Porto das Caixas. Foram morar em Pernambuco, mas ela queria muito voltar ao Rio de Janeiro, então ele conseguiu uma transferência para Itacuruçá. Eles vieram já com cinco filhos (entre eles, meu pai), montaram um hotel, onde a família se estabeleceu e viveu por alguns anos. Mais tarde, meu pai participou da comercialização do loteamento de parte da Fazenda Santana, que ficava na região de Muriqui e conseguiu arrendar um lote. Meu pai então conheceu minha mãe, nascida em 1930, e criada no centro de Mangaratiba pela Maria Mendonça – uma senhora solteira, chamada de “mulher do padre” porque era beata de igreja, e que criou onze crianças numa casa onde hoje é a funerária, no Centro. Passei então a ter vínculos nos dois distritos, e muitas vezes ainda criança ia andando pela linha do trem até Itacuruçá só para tomar um refrigerante, depois voltava para casa feliz da vida. Não existia a rodovia Rio-Santos, apenas a estrada velha. A ligação entre Itacuruçá e Itaguaí era feita por meio de uma ponte que alternava entre a passagem de trens e de carros. Era uma ponte muito estreita, em sistema pare e siga, porque passava apenas um sentido por vez. A estrada de ligação entre Itacuruçá e Muriqui era muito ruim, uma serrinha, com muitos acidentes. Minha primeira recordação de carnaval foi ainda de Mangaratiba: eu era muito pequeno, com quatro ou cinco anos, e a moda daquele ano era sair com fantasia de morcego, uma máscara de papelão com uma língua comprida, que eu tinha muito medo. Depois me encantei com o Bloco das Piranhas, que acontecia na rua hoje chamada com o nome do meu avô, Eduardo Bertilo. As mulheres se vestiam de homem e utilizavam uma fronha na cabeça, com furos apenas para os olhos, para que ninguém as reconhecesse, e os homens vestidos de mulher. Eu ia vestido acompanhar a banda do Chiquinho e o teatro. O bloco sofreu algumas alterações ao longo dos anos, se tornando quase como uma escola de samba, mas se manteve firme até a pandemia, quando parou, mas deve voltar. Eu tinha uma tia que morava em Paraty. Ia até lá quando só era possível chegar pelo mar. Uma viagem de oito horas, vendo botos e tubarões, e enfrentando o mar como estivesse. Os embarques oficiais para Paraty saiam de Itacuruçá, só alguns anos mais tarde passaram a sair do centro. É quando começa a Companhia Sul Fluminense, com a barca Patrício, que começa a fazer viagens para Conceição de Jacareí, Angra dos Reis e Paraty. Em Conceição, era ainda mais difícil, já que nem píer eles tinham. O desembarque era feito com uma canoa, que colava no barco maior para que os passageiros pudessem embarcar e os levava para a praia. Esse sistema só parou com a inauguração da Rio-Santos e o píer só foi construído vários anos depois. Sempre foi muito forte a tradição de comemorar o dia de São Pedro com queima de fogos. Saía de Muriqui para Itacuruçá só para acompanhar a queima, que era feita na beira da praia, perto da cooperativa. E tinha também a procissão aquática. A imagem era levada em um barco e quem quisesse acompanhar poderia embarcar em algum dos barcos de pescadores ou num barco da Marinha. A procissão continua até hoje, já em sua 88ª edição, com a mesma banda há décadas, mas com barcos menos enfeitados do que antes. Eu saía sempre no barco da Marinha. A procissão, de alguma forma, foi inspiração para que, em 1996, eu criasse o Carnamar com a ajuda de amigos na organização, empreendimentos locais que ofereceram prêmios, saveiros e rebocadores para levar os participantes e jogar água. Na primeira edição, contou com o ator Humberto Martins, que é nascido, criado e ainda possui família em Muriqui (seu pai é um dos primeiros “piranhas”). A ideia inicial era que os barcos saíssem da Praia Grande, na Ilha de Itacuruçá, que tem o mar calminho, e fossem até Muriqui. Era um percurso rápido para que as pessoas pudessem fazer sem pressa e curtir, especialmente a parte da concentração, onde as pessoas ficam circulando com seus barcos, ouvindo a banda e admirando as fantasias. Quando chega em Muriqui, a comissão escolhe quem ganhou como “melhor barco” e, depois, cada um vai fazer seu passeio para onde quiser. Com o sucesso da primeira edição, a prefeitura quis ajudar o projeto e designou o secretário de cultura da cidade para fazer parte da organização. O secretário quis então levar o percurso até o centro de Mangaratiba, o que causou divergências no grupo e fez com que eu deixasse a organização, discordante. O novo percurso deveria passar embaixo da ponte da Guaíba, mas isso já foi um problema por causa da altura de muitos barcos – saveiros, por exemplo, já não conseguiam passar. Além disso, pela distância, vários barcos pararam pelo caminho porque ficaram sem combustível, então muita gente acabou desistindo. No ano seguinte, já com novo secretário e lembrando do fiasco do ano anterior, me chamaram de volta. Fizeram contato com a Rádio Costa Verde que passou a transmitir ao vivo o evento. Os barcos sintonizavam todos na mesma rádio e conseguiam saber o que estava acontecendo. Aí o Carnamar se tornou um sucesso, com mais de trezentas embarcações enfeitadas participando, com pessoas em helicópteros acompanhando e tudo. Aos poucos, a prefeitura colocou barcos para levar a banda, com bom equipamento de som, para que as pessoas pudessem ouvir bem mais longe. Não sou mais membro da organização oficial do evento, mas participo todos os anos. Também fui diretor de harmonia da Mocidade Independente de Padre Miguel e sonho em fazer um Carnamar fora de época trazendo as escolas de samba, suas baterias, integrantes e fantasias para desfilar no mar de Mangaratiba. Este ano, fizemos o carnaval para as crianças, com um sax tocando marchinhas e as famílias acompanhando. Particularmente, não gosto do Carnafunk, desvirtua o sentido original da festa. Há alguns anos criei o Shopping Carnamar em Muriqui, com mais de vinte lojas.

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