Luciana Luísa de Souza Fernandes

SERRA DO PILOTO

Eu nasci no hospital de Mangaratiba em 1978 e depois subi a Serra do Piloto. Minha família materna era de São João Marcos, da Benguela e do Rubião. Vieram de São João Marcos para a Serra com a inundação, em 1941. Eram descendentes de portugueses e espanhóis, mas meus avós nasceram em São João Marcos. Sempre morei em frente à estrada, que era cheia de uma flor chamada beijo. A água sempre corria pelas canaletas laterais. Por volta de 1980, a estrada de pedras começou a ser coberta por saibro que era trazido em caminhões. Estudei até a 4ª série na escola da Serra, e depois, durante 12 anos, desci pra estudar na vila, no João Paulo. Volta e meia subia e descia a pé, porque às vezes o ônibus quebrava, ou atolava, ou caia barreira. Nas semanas de provas, por exemplo, eu não podia faltar. Uma vez, quebrou o ônibus e já eram dez da noite e ainda não tinha chegado em casa, porque era muito longe. Foram anos de muito esforço. Uma das coisas que mais recordo da infância são as festas de São João Marcos. Meu pai era um grande incentivador e adorava o leilão de gado. Eu o acompanhava para apanhar o gado doado nas fazendas. A festa acontecia no dia 27 de setembro, dia de Nossa Senhora Aparecida de João Marcos. Acontecia missa na igreja católica, procissão com andores que carregavam a Santa, o canto do hino de São João Marcos pelo coral, tinha barraquinhas tradicionais, leilão de gado e, no galpão ao lado, tinha apresentações e um show de trio forrozeiro, e o povo amanhecia dançando. Minha avó ajudava na cozinha e doava recursos para igreja com a venda de comidas. Como nunca acontecia nada na Serra, essa festa era muito esperada não só pelos moradores, mas por gente de toda a região. A imagem de São João Marcos foi primeiro para o Rubião, mas os fazendeiros derrubaram a igreja construída para ele depois de um conflito, e aí foi levado para a Serra. Lembro também do presépio que Antonio Padre fazia na igreja. Eu era criancinha, de cinco ou seis anos, e ficava contemplando cada detalhe das imagens. Depois do Antonio Padre, a festa ainda se manteve, mas um padre modificou a data e acabou atrapalhando a tradição, porque confundiu as pessoas que participavam da produção e na visitação. A Fazenda da Lapa também marcou minha infância, pois era do Doutor Carneiro, que atendia as crianças das famílias locais quando estava lá. Na região não tinha atendimento médico. Antes da energia elétrica, era outra realidade. Ninguém tinha luz, TV, nem nada. A luz chegou entre 1984 e 1985. Nos anos 1990, resgatamos a Folia de Reis e eu participava muito dos ensaios, que eram no Rubião, em uma casa onde a associação se reunia. Faziam várias apresentações em São João Marcos, no Rio de Janeiro, na vila e em outros lugares. Ganharam prêmios, o que foi muito importante para a comunidade. Hoje, trabalho na escolinha de São João Marcos, onde estudei e me formei. Está reformada, tem várias salas e tem aumentado o número de alunos, mas continua com a mesma essência. Gosto muito de ser professora na Serra e ensino para os meus alunos a importância da preservação da história e do patrimônio locais. Sobre a “modernização” da estrada, recordo que quando o saibro era novo a estrada ficava ótima, mas depois de algum tempo começava a ficar falhado e muito ruim. Em 2012, o governo decidiu “modernizar” a Estrada Imperial, retirando as muretas de proteção, as pontes, as canaletas de escoamento de água e as pedras centenárias. A estrada seria ampliada. Em contato com Miriam Bondim, passamos a acionar as autoridades do patrimônio para que isso não acontecesse e conseguimos que a estrada fosse apenas asfaltada. Mas, no primeiro dia da obra, os funcionários chegaram destruindo tudo, como no plano original. Liguei para Mirian e, junto com a família, nos colocamos na frente das máquinas para evitar a destruição, num protesto que durou muitas horas. Desci às pressas até o Centro para avisar as autoridades do patrimônio sobre o que estava acontecendo, engenheiro responsável acabou vindo do Rio de Janeiro e finalmente corrigiu a orientação aos operários. Alguns dias depois era a inauguração do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos. A responsável pelo patrimônio, ao chegar e ver a obra ficou indignada, pois não tinha autorização para acontecer. A obra ficou parada por meses, com a estrada toda problemática, até que foi regularizada. Foi definido que, em três trechos da estrada, seriam feitos recortes no asfalto e restauração do calçamento original para que as pessoas pudessem apreciar a história da estrada. Mas, no meio da obra, os casos de corrupção pipocaram e o dinheiro sumiu, deixando as pedras expostas em trechos ainda não restaurados, cobertos de camadas antigas de terra e saibro.

Outras histórias

No more posts to show