Manoel Firmino

Fazenda Santa Justina

Nasci na Fazenda Santa Justina em 1933. Meus pais eram pobres. Era uma vida difícil. Hoje posso falar, antigamente não podia falar, não. Lembro que a fazenda era uma maravilha, mas a vida era ruim, dura. Ninguém da minha família recebia salário. Nenhum dos empregados recebia. Comíamos a comida da fazenda e usávamos roupas e objetos que recebíamos. Eu era garotinho ainda e já tinha que trabalhar para o fazendeiro, Não recebia nada, eu só tinha o direito de estudar. A família Breves tinha um orfanato e criavam muitas crianças, então tinham vários outros garotos além de mim. Às vezes, a gente se juntava para jogar bola, mas mal começava e já era chamado para o trabalho. Na minha infância não tinha nada de bom. Nasci escravo, me formei escravo e existi escravo. Agora que melhorou um pouco. Conheci minha avó ainda escravizada. A fazenda foi o único lugar que ela conheceu. Hoje é considerado quilombo porque não saímos da terra onde meus antepassados viveram como escravizados. Nunca morei em outro lugar. Minha mãe era cozinheira da fazenda. Ela me levava para o trabalho e eu ficava no meio dos fazendeiros. Tinha muito serviço de roça, na plantação de milhos, na lida com bois. Depois entrou na fábrica de Bananada Tita e meu pai e começamos a trabalhar lá. Meu pai trabalhava fazendo doces. As crianças voltavam da escola, tiravam o uniforme e iam para a fábrica. Exigiam que as crianças fossem embalar doce às vezes até durante toda a noite. Cresci trabalhando na fábrica, o tempo inteiro sem ganhar nada. Casei em 1961 com Ernestina, aos 28 anos, e permanecemos na mesma casa na fazenda, onde tivemos e criamos nossos filhos. Lembro que Vitor Breves e o “pessoal de fora” eram muito bons. Ele ajudou várias pessoas, mas o pessoal de lá, não. Só queriam que a gente trabalhasse. A gente comprava um negócio e eles queriam saber com que dinheiro. Eles não tiravam as coisas que a gente comprava, mas questionavam com que dinheiro tínhamos comprado já que não recebíamos nada. Só fui receber salário nos anos 1960. Na fazenda, além da produção de bananada, se plantava muita coisa, como arroz, café, laranja e, especialmente, banana. Era época do Seu Armando Peixoto. Tinha também uma olaria de tijolos e a usina de luz onde, inclusive, perdi um irmão eletrocutado. Deram uma mixaria para a viúva e disseram que iam dar indenização para as crianças, mas ela disse que nunca viu esse dinheiro. Era a fazenda mais produtiva de Mangaratiba. Tinha gado leiteiro e vendia muita manteiga e leite para o centro de Mangaratiba. Eu saía de carrocinha e tabuleiro oferecendo pelas ruas. Não me lembro quando foi que a olaria da Santa Justina parou de funcionar, só que foi há muito tempo. A Fazenda Santa Izabel também tinha a olaria do Seu Armando Peixoto, que produzia as telhas que ficaram famosas na cidade. Com o fim da fábrica, em 1968, passei a ser administrador da fazenda e foi o que fiz até depois de me aposentar. Uma grande decepção foi quando o último proprietário da fazenda, antes da venda, me chamou para conversar. A gente se sentou no sofá e eu estava com a perna quebrada de um acidente de trabalho. Ele disse: “Foi Deus que mandou o senhor quebrar a perna, porque eu queria tirar você do trabalho e não tinha como. Não dá mais dinheiro para ele porque não trabalha mais comigo”. Eu já estava aposentado, mas continuava trabalhando. Hoje vivo apenas da aposentadoria. O que eu gosto de Mangaratiba é a tranquilidade. Não é como era antes, mas ainda é tranquilo. Sinto falta do trem e gosto muito do hospital, onde sempre sou muito bem atendido.

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