MIRIAN BONDIM SATYRO

MURIQUI

Historicamente, minha família é muito antiga na cidade, no distrito de Muriqui, anterior à emancipação política. Os Bondim vieram da Ilha de Malta em 1828. Apesar da família ser poderosa na cidade, dona das terras do Sahy, meu tataravô comprou uma fazenda em Muriqui, que foi ficando como herança de família. Muriqui era uma fazenda só. Nasci nessa propriedade que foi repartida entre os irmãos e depois vendida. Meu pai se preocupava com a preservação da região, nunca quis vender nada, então tinha muita terra com quintal e cachoeiras. Fui criada na roça, com bois, cavalos e bananas. Estudei o ensino fundamental em Muriqui, na Escola do Barros, e passei a frequentar o Centro quando comecei a namorar meu primeiro marido. O trem de Mangaratiba era considerado um dos passeios mais bonitos porque vinha à beira-mar e, se você se sentasse na porta, muitas vezes a onda batia e explodia em cima de você. Usava muito o trem para ir à vila estudar e namorar. Com a chegada da Rio-Santos e o fim do trem, tudo mudou. Lembro de ter uma conversa com Cícero na época da construção da estrada. Com tanta gente reclamando, ele comentou: “deveriam deixar um pedaço de terra sem asfaltar, só para o povo lembrar como é que era difícil antes”. O pior que veio com a estrada foi o crescimento desordenado. Da Praia do Saco até Jacareí foram sendo criados resorts e condomínios caríssimos, dos mais caros do país. As populações que moravam ali, colonos, da terra, que plantavam, foram sendo retiradas. Lembro que o Luiz Perequê, de Paraty, tem uma música perfeita sobre a construção da Rio-Santos, das pessoas que foram trabalhar sem ter direito a quase nada. A cidade não conseguiu se conectar com a Rio-Santos. O último ônibus para Muriqui sai 9 horas da noite, então as pessoas se amontoam em carros e ubers, porque não tem como contar com eles. O ônibus não entra em alguns bairros pela geografia, mas na Praia Grande não entra porque a Associação de Moradores não permite. Também não permitiram a construção de quiosques na orla e outras “urbanizações” que descaracterizam o lugar. No passado, vinha de Muriqui para a vila de trem quando comecei a namorar seu primeiro marido, aos 16 anos. Ia para o cinema, para os bailes do clube, frequentava a praça, a praia. Fui paciente do Cícero. Casei-me e passei a frequentar ainda mais a vila. Ia para Ilha Grande para ir à praia com os filhos, por sugestão de sua cunhada, já que era muito barato pegar uma lancha, atravessar, e voltar no final do dia, fazia isso quase toda semana. Tenho uma ligação forte com a Ilha até hoje, vou pelo menos três ou quatro vezes ao ano. Estudei e me tornei professora da rede pública. Por meu amor pela cidade, acabei indo trabalhar com patrimônio e na Fundação Mário Peixoto. Trabalho com a memória da cidade, gosto, investigo tudo. Fui atrás da memória do cinema e queria algum objeto de acervo do cinema para a fundação, mas ninguém sabe de nada. Sinto saudade do vôlei na praia, do carnaval e do Clube Náutico, com os bailes, festas e eventos. O carnaval na cidade hoje acontece por obra de algumas poucas pessoas que não querem que a festa morra. O Geraldo Bertilo tira dinheiro do próprio bolso para fazer o Carnamar, criado por ele, e um dos poucos eventos ainda existentes. Mas os clubes foram morrendo, não só em Mangaratiba, mas no Brasil como um todo. Muriqui tinha camisa de 'Carnaval em Muriqui: Eu Fui'. Clóvis Bornay desfilava no Sírio Libanês e, no dia seguinte, aquele grupo todo vinha desfilar em Muriqui. Sinto saudades do que vivi na juventude, na época em que comecei a namorar meu ex-marido. Mas, ao mesmo tempo, ficamos com aquela 'Mangaratiba saudosa' na cabeça e não nos damos conta de que ainda é uma ótima cidade.

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