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IRENE DA CONCEIÇÃO

IRENE DA CONCEIÇÃO

Praia Grande

Nasci em 1951. Em Praia Grande, a luz chegou um ano depois do nascimento do meu filho, em 1975. Minha sogra, mãe de Sara e Cira, fez o parto à luz de lampião. Eu estava fazendo comida pra vender, senti as contrações e a sogra a mandou para o quarto para fazerem o parto. Lembro que a sogra saiu gritando pela casa: “É homem! É homem!”, porque na época não tinha acompanhamento de ultrassom. Meu restaurante e do meu marido Luiz Antonio era o único que tinha na praia, por muitos anos. A gente vendia muito para o pessoal que acampava. Aos 20 anos, aprendi a cozinhar com uma cozinheira de Muriqui. Não tinha mais nada de comércio, só nós. O bar era do meu sogro, fundado em 1965, depois passou para meu marido. Minha sogra ficou viúva com dois filhos, um casal, e decidiu vir de Minas para Mangaratiba, atrás de um primo. Na turma desse primo, ela conheceu o homem que seria seu segundo marido e pai da Cira e da Sara. Do casamento, nasceram mais oito filhos. Lembro que a primeira escola em que estudei ficava onde hoje é o Bazar da Fátima. Sara também estudou lá. Era a única escola que tinha. Depois essa escola acabou e tivemos que ir para Muriqui. Meu marido foi quem ajudou muito a igreja da Praia Grande, ele pagava funcionário para poder ajudar na obra, pagava conta de luz, ajudava como podia e não gostava de contar. Ele ajudava também nas festas, na associação, na escola, em tudo. Os veranistas não tinham telefone, então todos usavam a linha da família. Ele também teve um quiosque, que passou para a filha. O comércio começou a se desenvolver a partir dos anos 90. Eu acho que a época da construção da Rio-Santos foi muito ruim. Teve uma queda de barreira, por causa de uma chuva forte, que levou a parede da casinha que Luiz Antonio tinha feito no terreno que comprou com o pai da Sara. Ficamos abrigados em casas de veranistas até poder construir outra no terreno que compramos, onde hoje é a mercearia e a loja de materiais de construção. Hoje quem mora lá é a irmã dele, da Sara e da Cira, que herdou o terreno do pai. Antigamente, a Praia Grande tinha muito peixe, os pescadores davam o que sobrava. As pessoas vinham de outros bairros, como Sahy e Muriqui, pra pegar peixe com os pescadores que pescavam puxando rede arrastão. Na época em que eu namorava meu marido, ele pescava linguado com os amigos à noite na beira da praia. Antigamente tinha, hoje não tem mais. Hoje não tem tatuí também. Lembro muito do baile de carnaval. A concentração dos blocos era sempre lá no bar. Eu sempre frequentei e ainda frequento a praia, principalmente no sol da manhã. Agora que estou viúva e aposentada, vou sempre que quero porque ninguém tem nada com isso, mas quando eu era casada não ia porque tinha que trabalhar para ajudar meu marido. Quando as crianças eram pequenas eu levava, depois eles cresceram e não quiseram mais saber da mãe na praia com eles. Mas no clube mesmo só podia entrar rico, pobre não entrava. Depois isso mudou e Luiz Antonio passou a ser sócio. O título ainda está com a família, mas ninguém mais usa nem querem vender. Faz pouco tempo que o clube abriu para moradores. No bairro tinha uma festa junina. Luiz Antonio organizava a quadrilha, as barraquinhas, e eu fazia as comidas como angu baiano, mocotó, empadinhas. Ele também fundou a Associação de Moradores, em 1974. Ele era o 'síndico' da Praia Grande, tudo o que quebrava ele que arrumava, da água, da luz, e da manutenção de tudo. Ele cuidava de tudo com amor, sempre pronto para ajudar sem querer nada em troca.

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FERNANDA ETELVINO CRUZ RAMOS

FERNANDA ETELVINO CRUZ RAMOS

Conceição de Jacareí

Nasci em 1964 no Rio de Janeiro. Minha mãe era doméstica e um dia resolveu “se libertar” e me levou de volta para Mangaratiba, quando eu tinha 17 anos. Só em Mangaratiba conheci o pão bengala. É o pão que me remete àquela época, porque era um pão desse para todas as crianças. Lembro muito da minha vó, que morava no mesmo quintal que eu vivo hoje, mas em outra casa. Sinto muita saudade. Em Mangaratiba as brincadeiras eram três marias, andar na lata. E a brincadeira tinha horário pra terminar: minha vó aparecia e falava “guarda por causa da assombração” E tinha assombração! No caminho pra cá tem o cemitério dos escravos. A cachoeira, na entrada do terreno, não tinha ponte, e meus primos passavam rapidinho e eu tinha dificuldades. Eles implicavam dizendo que eu era muito fresca. Lembro da Folia de Reis, dormir em esteiras no chão, sem cobertas, da “Cachula”, uma música da Folia de Conceição, e Calango, uma espécie de repente. Estamos tentando resgatar a Folia de Reis, mas a gente se pergunta se vamos conseguir manter até os descendentes. A família que recebe a folia oferece algo para os foliões comerem. Eles ficam pelo menos uma hora em cada casa. E é sempre a mesma sequência. Lembro do frio, de dormir de calça jeans. Como não tinham colchas, a vó fazia adaptações. Não tinha banheiro: era um penico da vó embaixo da cama, e quando um tinha vontade de fazer xixi, todos ficavam com vontade também. De repente, ouvia de longe a sanfona. Então elas se arrumavam para receber os foliões porque entre eles estavam os namoradinhos que as mães não sabiam, porque não deixavam. Começavam a tocar do lado de fora, e depois entravam e rolava forró até de manhã, com cachaça, biroró, uma rosca tipo nozinho, angu e café. Também recordo do carnaval. A gente ia de litorina da Central até a vila, de lá pegava a barca até Jacareí, vomitando o caminho inteiro. A barca parava no meio do mar e a uma canoa ia buscar os passageiros. O avô e alguns amigos esperavam na ponte, então eles todos subiam a pé, do Porto Real até a casa dos avós, numa caminhada de pelo menos uma hora. Nos menosprezavam dizendo: “você foi criada com peixe com banana, é pobre”. Até casar não aprendi a fazer nada. Minha mãe teve que avisar o meu primeiro marido: “ela não sabe fritar um ovo, mas não bata nela, não maltrate ela”. O peixe com banana da minha avó era o peixe galo, transparente, “aquela água pálida”. Lembro que ela esquentava água no fogão de lenha, pegava a banana pálida, amassava bastante e misturava com farinha. Servia com aquele peixe magro, que era só espinho. Minha avó se vestia com calça, vestido e um lenço na cabeça, ia até a porta e ficava comendo com a mão, fazendo bolinhos, de cócoras – com os cachorros todos em volta olhando. Então ela ia no galinheiro, enfiava o dedo no cu da galinha e saía um ovo, que ela preparava com feijão com arroz porque eu não comia peixe com banana. Ela também fazia matruco, o beiço do boi. Não deixava ninguém cheirar a comida. Ela me forçou, não quis comer e minha vó acabou fritando uma mortadela pra mim. Enquanto a vó fazia peixe frito pra mim, pros outros netos era peixe cozido mesmo. Meus primos me chamavam de metida porque fui criada no Rio, em apartamento. Na minha época não tinha chuveiro, era só banho de bacia. Tinha uma panelinha preta pra lavar as mãos depois que as crianças comiam. Os primeiros iam lavando e o último “sujava” a mão com a água que tinha sobrado. Antigamente não tinha nenhum entretenimento em Conceição. A vida social era a festa da padroeira em 8 de dezembro, as Folias de Reis do Seu Filinho até o Natal, daí o Natal, e depois mais Reis. Aí vinha o carnaval em fevereiro. Antes da Semana Santa, tinha a “Serra Velha”: as pessoas se colocavam do lado de fora da casa, perto de uma janela, e iam serrando uma madeira ou uma garrafa e, em versos, perguntando: “com que é que vai ficar a Fernanda”. Tinham as festas juninas e na Semana Santa tinha baile. Na escola, eu jogava muito queimado e de roubar bandeira. A gente também fazia “hifi”, sempre na casa de alguém. Todos se conheciam, eram poucas famílias. Lembro de frequentar quando criança um lugar chamado “Gaiolinha”, onde hoje é a farmácia e os Correios. Era um parquinho com balanços e gangorras, onde vendia maçã do amor, pipoca e churros. Conceição era considerada aldeia. Quando comecei a dar aulas na escola, vinha escrito nos documentos “Escola Estadual Dr. Santos Bastos da Aldeia de Conceição do Jacareí”. Aldeia porque ainda consideravam a questão dos indígenas: Conceição, relacionada à questão religiosa da Santa, que porque estava chovendo não pode ser levantada do local, e Jacareí, do tupi, lugar onde tem muitos jacarés. A versão da Santa também é contada em Angra dos Reis. A formação de Conceição então é indígena, quilombola e portuguesa. Jacareí é de Itacurubitiba até aqui. O pedaço onde moramos fica bem na divisa com Angra. Muita gente gostaria que voltasse a ser território de Angra, que na emancipação a área foi dividida. A luz chegou junto com a Rio-Santos, em 1975, mas só na praia. Me casei com 21 anos e a minha casa não tinha água nem luz. Eu descia com balde e lavava roupa na cachoeira. A luz chegou mesmo pras pessoas ricas de Jacareí, na praia e nas casas. Na nossa rua, a luz só chegou no meio dos anos 1990. Sempre houve uma rivalidade “da Rio-Santos pra lá eram os ricos, da Rio-Santos pra cá eram os pobres”. Conceição tinha dois blocos de carnaval: Fenianos, vermelho e branco, e Democratas, azul e branco. Inicialmente desfilavam em Conceição, só anos mais tarde os Fenianos passaram a ir para Mangaratiba desfilar contra os blocos de lá, por volta de 1985. Pelo Fenianos ser um bloco muito antigo, os moradores de Conceição achavam que o pessoal do Farofa era metido por encarar eles. E a gente ia pra lá e ganhava todas! Minha avó fumava cachimbo. Também mascava fumo e cuspia num penico, à distância. Teve uma época em que, nos finais de semana, dava quase 500 ônibus, a maioria vindos da Baixada. Os excursionistas roubavam frutas, objetos e até as plantas das casas. Não tinha DPO. Atualmente, em Conceição tem 6 farmácias, cinco padarias, quatro supermercados, boca de fumo e assassinatos não desvendados. Não tem delegacia, apenas DPO com quatro policiais. Eu sempre viajo no carnaval, porque acaba a água, a luz, e bate em torno de 10 mil pessoas visitando. Tem se construído muitas quitinetes e, em cada uma delas, chegam umas 20 pessoas. A rua atrás da nossa está cheia de “gatos” na fiação e o carnaval foi substituído pelos bailes funk. Dos edifícios antigos de Conceição sobraram só a igreja, que é tombada, o cruzeiro, que foi alterado, a cruz é original mas o entorno não, a Salga, a peixaria, e só. O resto foi pro chão. O cemitério está abandonado. O casarão em frente ao cemitério acabou. A casa de 7 portas, que foi a venda do Seu João, não tem mais, hoje são só 2 portas. E a escola também vai pro chão. Se pudesse escolher, eu voltaria para a década de 80, que era muito namoradeira e me divertia. Lamento que a minha neta provavelmente não vai cantar a Folia de Reis, que os filhos da geração dela não se empolgaram com a festa para querer manter. E se as novas gerações quiserem sambar vão ter que ir pra Marquês de Sapucaí porque ali não tem mais carnaval. Sinto muito que o patrimônio de Conceição está sumindo, como a escola que foi demolida e virou estacionamento. Que a nova geração vai conhecer o local como uma comunidade, como aparece no jornal RJ2, como o “Complexo de Conceição do Jacareí” onde prenderam 20 pessoas, 17 dos quais foram meus alunos. Ela se questiona: “Tudo o que falei não serviu de nada?”. Hoje eu não vivo mais como antes, não subo mais a pé sozinha, pego mototáxi porque ali na boca da cachoeira que a gente brincava hoje tem uma boca de fumo. E tudo continua se deteriorando. O pouco que sobrou de mata é dali para o alto, o resto está sendo derrubado e as casas estão tomando conta. São as próprias famílias que vão loteando, na mão da nova geração que não dá valor ao lugar, para eles é mais importante o dinheiro. Eu prefiro o lugar.

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VALDIRENE CONCEIÇÃO DE SOUZA

VALDIRENE CONCEIÇÃO DE SOUZA

Praia Grande

Nasci em 1972 e lembro muito da praia na minha infância. Tinha bastante casas já, mas minha família conta tantas histórias que consigo "ver" essa Praia Grande de três casas de cima pra baixo que falam. Meu pai vinha de trem e a gente ficava brincando na estação esperando por ele, que trazia doces. Ele era severo e éramos umas molecas. Recordo da Praia Grande sendo calçada nos anos 1980, sem iluminação pública. Tinha luz nas casas mas na rua, não. A única casa que tinha telefone era a nossa. Os veranistas não tinham telefone, então todos usavam o da família. Meu pai, Luiz Antonio, era a pessoa que todos procuravam para resolver tudo referente a Praia Grande: “Procura o Luiz Antonio”. Diferentemente das minhas tias e da minha mãe, estudei no colégio Maria das Graças, em Muriqui, e me formei professora lá. Eu ia de ônibus e voltava de trem, às 17h horas. Quando eu falo eu sinto o cheiro do trem, o barulho, era muito gostoso. Depois do comércio do meu pai, teve o Recanto e tinha também as barraquinhas, as birosquinhas que vendiam do feijão ao leite. As primeiras barraquinhas de praia foram nos anos 80. Depois saíram da areia e viraram “as birosquinhas”. Aí a prefeitura padronizou e formalizou tudo nos anos 90. Nosso quiosque foi construído em 1997. Na época da construção da Rio-Santos melhorou o acesso, mas muita gente comprou terrenos e construiu casas. Antes da rodovia, o clube que tinha na Praia Grande era bem grande, tinha piscina natural, salão de jogos e até cachoeira. A construção da estrada cortou o clube ao meio, desapropriando uma parte. Ainda tem a cachoeira, mas não é a mesma coisa de antes. Isso há 60 anos. Outra questão é o transporte. São vários problemas: chegar no ponto, que é uma ladeira, tem uma escadaria e ainda faltam ônibus. Em uma época teve uma linha de kombis que chegou a entrar no bairro, mas as ruas são pequenas e no verão fica muito difícil de trafegar porque as pessoas estacionam errado e bloqueiam as ruas. Nas décadas de 70 e 80 a praia ficava cheia de barracas de acampamento e as ruas cheias de carros. Com a proibição de camping, reduziu a frequência, mas com a inauguração do Arco Metropolitano parece que triplicou a quantidade de gente que vem pra cá. O governo não dá conta de fiscalizar as churrasqueiras, o estacionamento, e todas as ocupações irregulares. Já houve tentativa de controlar a entrada e saída, mas não há efetivo suficiente. No ano de 2021, o policiamento voltou, mas ficou um bom tempo sem. Já teve cancela, em parceria com o DPO, há 20 ou 30 anos atrás, mas não continuou. A escola foi melhorada com a municipalização. O prédio sempre ficou abaixo do nível do mar, então quando chovia, às vezes inundava e perdemos muitos documentos assim. Em 1998, a escola foi ampliada. Entrei para escola em 1996 como inspetora. Nesse ano teve uma enchente em perdemos mais documentos. Com a reforma e a ampliação, o número de alunos aumentou. Minha memória afetiva é a do meu pai, o clube, as festas, a associação, tudo em Praia Grande girava em função dele. Sou muito grata a tudo o que ele fez e se o bairro é assim hoje é graças a ele. Tento fazer o mesmo. O que posso, faço com meus alunos.

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DEO CESAR JANUZZI

DEO CESAR JANUZZI

Mangaratiba

Nasci em 1940 e morei na cidade até os 12 anos. Depois tive que ir embora para estudar. Meu pai era ferroviário. De Deodoro a Mangaratiba ele trabalhou em todas as estações. Ele não admitia sair de Mangaratiba, mas minha mãe queria que os filhos tivessem mais futuro, então eu e minha irmã fomos para colégios internos no Rio de Janeiro. O cinema da cidade, o Januzzi, era do meu tio e foi inaugurado em 1928. Meus tios Raimundo e Jaime tocavam a padaria e o hotel. Quem montou todos os empreendimentos (padaria, cinema, hotel) foi o meu avô. Ele também fez uma usina elétrica e uma fábrica de gelo. O cinema tinha só uma máquina porque não tiveram dinheiro pra comprar a segunda, então quando acabava o primeiro rolo eles tinham que acender a luz e entrava o Zé Laranjeira vendendo balas e as minhas tias, Amena e Aída, vendendo doce. No começo, a Bananada Tita só era vendida em tabletes. Aí um rapaz de Jacareí chamado Altamiro teve a ideia de partir o tablete em pedaços e isso lhe rendeu o apelido de 'Bananada Tita' até morrer. Por isso, o Vitor Breves passou a vender também em tabletes. Todo mundo naquela época tinha apelido. O do meu pai era Bacalhau, porque nasceu em 1914 e em 1918 teve a gripe espanhola e ele ficou muito magro. O pai do Tomaz, por exemplo, era o Quebra-Coco, que fazia um pastel também muito concorrido – ele era funcionário na padaria do Seu Zezinho, e fritava o pastel, que a esposa fazia. Ele também tocava na banda da cidade, chamada Sociedade Musical 8 de Setembro, também conhecida como Furiosa. Tocavam nos bailes. Depois as bandas foram municipalizadas, juntadas, e fundou-se uma escolinha no Grêmio, regida pelo Maestro Olímpio. Lembro dos carnavais, do São João, e das principais festas na cidade. Lembro do Bloco dos Carijós, que meu pai saía no carnaval com os amigos e família, tomando cachaça, com fantasias feitas pela mãe dele. Adorava carnaval e sempre saía fantasiado, especialmente no Bloco dos Sujos, que era uma bagunça: 5 ou 6 que que saíam fantasiados, brincavam o carnaval, depois tomavam banho de mar e normalmente não chegava em casa, alguém tinha que ir buscar. Era um carnaval de antigamente, simples, bonito e saudável. Todo mundo conhecia todo mundo, era uma família só fazendo carnaval. Eu saia de maiô da minha prima dele ou com o vestido da minha irmã. Só depois vieram os dois clubes, o Grêmio, em 1950, e o Mangarás. A praça era dividida entre o jardim de baixo e o de cima. As meninas brincavam de roda, os meninos jogavam bola de gude, brincavam de pique. Mas as meninas não podiam ir pro jardim de cima, que era local de namoro. Quando a gente era criança, o garoto que conseguia chegar na ponta do guindaste para mergulhar era o herói. Na praia da Vila se pescava camarão com rede. Na praça, tinha um funcionário da prefeitura chamado Seu Medeiros, que não admitia que ninguém pisasse na grama. Tinha no portãozinho do parque, da praça de cima, o Seu Manoelzinho Mendonça, que ficava monitorando voluntariamente as crianças – se fizessem bobagem ele mandava pra casa e elas obedeciam. Também não deixava que subisse na árvore. Tinha dois trens de carreira, que era o principal, mais comprido, e tinha duas classes. A primeira tinha poltronas de couro, napa, em duplas, viradas umas de frente para as outras. A segunda era com bancos de madeira compridos, com bilhetes mais baratos. Ligava a Central do Brasil à Mangaratiba. E tinha o trem Macaquinho, que tinha três vagões: um de primeira, um de segunda e um de carga. Saía de Santa Cruz e vinha para a cidade. Se quisesse ir para o Rio tinha que fazer baldeação e pegar o elétrico para a Central. O trem primeiro era maria fumaça, depois passou a ser diesel. Na época dos estudos a gente transitava entre a cidade e o Rio de Janeiro sempre de trem. Muitos rapazes passavam a semana trabalhando no Rio e voltavam pra cidade no final de semana. Eu vinha todo sábado. Pegava o trem às 14h10 na Central e chegava em Mangaratiba às 17h. E no domingo à noite as pessoas voltavam no último trem que ia pro Rio, que era esse das 18h20. Se criou uma “confraria” dos usuários que se encontravam sempre no trem do domingo. Tinha flâmula, baile com rainha. No domingo, antes do trem partir, ficava todo mundo passeando perto da estação, paquerando, namorando, se despedindo. Quando o trem saía às 18h20, a cidade fechava: ou as pessoas iam pro cinema ou iam pra casa. Luciano lembra que as pessoas ficavam andando entre a igreja e a padaria, de um lado para o outro, conversando, esperando a hora da sessão do cinema. A cidade sempre teve seu time de futebol, o Grêmio, com sede onde hoje é a Fundação do Cary e o campo na Praia do Saco, que existe até hoje. O time era organizado, mas amador. Não tinha muita coisa pra fazer porque a cidade era isolada. Mas isso foi morrendo, talvez porque as pessoas foram envelhecendo, os mais jovens não deram continuidade. Na época da construção da Rio-Santos eu não estava mais na cidade. Meu pai dizia que “o dia que fizerem essa estrada e abrirem esse porto vai acabar Mangaratiba”. Eu concordo, porque a vinda de muita gente diferente de fora foi tirando o clima de cidade do interior. Nem sei a quanto tempo não tem água na fonte da praça, mesmo sendo em frente à prefeitura. A região sempre foi muito rica em banana, que vinha de barcos. Com a Rio-Santos, isso também acabou. Luciano complementa dizendo que tinha um trem só para transporte de banana e outro só pra gado. Eles embarcavam ali perto do trapiche, vindos das fazendas da região. Minha memória de afeto é o trem. Por mim, o trem deveria voltar. Quando vou para outras cidades e passeio de trem, lembro de Mangaratiba.

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ANGELA MARIA DE SOUZA

ANGELA MARIA DE SOUZA

Conceição de Jacareí

Nasci em 1962 na Fazenda do Armando (Santa Isabel), de parteira, em casa. Fui pesada em 'balança de peixeiro'. Passei toda a infância entre Mangaratiba e Conceição, onde morava minha avó. Ia para a casa da minha avó em todas as férias: chupava cana, cuidava da casa e dela, parava tudo pra ouvir as novelas de rádio e depois de TV com a minha vó. Na Quaresma, tampava os santos e fazia jejum. Na Sexta-feira da Paixão, minha avó não deixava ninguém sambar. Estudei no Coronel e no Barros Neto, depois fiz faculdade em Campo Grande. Pegava a lancha com a minha mãe em Mangaratiba para Conceição e meus quatro irmãos, todos vomitando pelo caminho. A lancha era abafada e parecia que a gente sentia o motor dentro do estômago, com o cheiro de gasolina. Subia a pé até a casa da minha vó. Quando a minha mãe se separou, passamos uns dois anos morando ali. Quem queria estudar e era de Conceição precisava dar um jeito de ficar em Mangaratiba. Fui “doada”: ajudava em uma casa de família em troca da estadia para poder estudar. Não apenas eu, como minhas primas também. Meus irmãos sofreram muito por ter que sair pra estudar em Ibicuí. Foi assim até que a minha mãe conseguiu comprar um terreno do Sr. Emil de Castro para construir sua casa, onde mora até hoje. Minhas recordações da infância são do chão de barro, fogão à lenha, chupar cana. Lembro dos banhos de bacia. Os primeiros eram beneficiados, os últimos tomavam banho de xixi! Às 6 da tarde tinha uma fila pra pedir a “Bença, vó”. Eu passava os três meses de férias com ela e era tudo de bom. Minha adolescência também foi em Conceição. Ia nas procissões com a minha vó. Assim que acabava a missa, as adolescentes iam para o fim da procissão para beijar os garotos e, quando a procissão voltava elas iam pra perto das avós e começavam a rezar. “Vocês pensam que me enganam?”, minha vó dava bronca. Lembro das “meiotas”, a cachacinha que ela gostava de tomar. Minha tia “Magali”, na verdade, se chama Maguiles: meu avô, quando foi registrar a filha junto ao Seu Filhinho, já tinha tomado muita cachaça e não conseguiu pronunciar o nome direito. Mas a filha só descobriu anos depois que em sua certidão estava Maguiles, e não Magali. Eu contesto o benefício da rodovia Rio-Santos. Apesar da lancha, Conceição era preservada. A cachoeira do Tobogã era ótima, podiam beber as águas de todas as cachoeiras. Hoje, as cachoeiras estão sendo destruídas. Com a Rio-Santos, muitas pessoas morreram afogadas. Outras morriam ao escorregar nas cachoeiras e bater com a cabeça nas pedras, Rabecão saia daqui chapado, com quatro ou cinco mortos. A lancha era ruim, mas Conceição era o paraíso. Uns anos atrás eu organizei um bloco. Arrumei o jipe, todos se vestiram de amarelo e preto e desceram, puxando o bloco. Quando chegamos lá embaixo estava tão cheio que resolvemos voltar. O carnaval, como a gente conhecia, já não existe mais em Conceição. Eu e Fernanda tentamos, mas não deu. Descemos cantando marchinhas de carnaval pela rua em um grupo de cerca de sete pessoas, mas só. O seu Dito Filinho era quem tocava a Folia de Reis com os familiares dele. Eles iam de casa em casa, inclusive na nossa. Beto, Abelardo e os outros meninos eram da Folia. A gente ficava todos os anos esperando. Seu Filinho tocava forró na sanfona. A gente oferecia café, biroró e cachaça. A última folia que o seu Filinho fez foi lá em cima. Ele já estava muito velhinho, todo mundo tomando muito cuidado com ele. A família do Dito Filinho tem mais versos do que a nossa, a gente pra eles, mas ainda não deram. Temos 12 versos. Anotei os versos que sabia da minha avó cantando poucos meses antes de ela falecer. Quando seu Dito Filinho morreu ficamos órfãs de folia. Um ano sem fazer em memória dele. No ano seguinte, decidimos fazer. Reunimos o pessoal que toca sanfona e outros. Em novembro, a gente reúne a família para decidir o que fazer no Natal, Ano-novo e Folia de Reis. As pessoas ficam um pouco cabreiras, com medo de receber gente em casa, então passamos a agendar as visitas. Em relação ao dinheiro da manutenção dos instrumentos e da confecção da indumentária, a gente recolhe um dízimo. Meu irmão, que é o “tripa”, ou palhaço que tem a melhor garganta, que consegue dar o grito. A folia então começa com os versos, aí vem o “tripa” coletando os dízimos. Usam o dinheiro também para comprar os acessórios. E a pessoa mais velha leva o estandarte, e nós vamos atrás cantando. O dono da casa recebe o estandarte, percorre a casa com ele pedindo proteção, e depois devolve para o grupo ir para outra casa. O estandarte hoje está na casa da minha mãe, então começamos o percurso por lá, fazendo a despedida, para então seguir para outras. Para ir a Mangaratiba alugamos uma van, já que vão de 3 a 15 pessoas no cortejo. A gente começa só com o grupo principal e os outros vão se juntando conforme vão passando pelas casas, então começam às vezes com cinco e, depois de passar por várias casas, termina com mais de 30. Eu incentivo os jovens a irem, cantarem, participarem, senão vai acabar. Uma vez fui convidada para apresentar o que é a Folia de Reis em uma escola de Itacuruçá. Expliquei, cantei um pouco dos versos e fiquei triste com a reação deles, olhando torto: “Isso é macumba?”. Na juventude, fazia luau na praia, com biscoito Piraquê e violão. Minha primeira referência de praia é o frescobol. A praia é perigosa, porque tem muito banco de areia. Uma das brincadeiras de infância era brincar de pique na cachoeira, pulando sobre as pedras sem cair. Para ir aos bailes, andando pelas trilhas sem lampião e às vezes nem lua, ninguém tropeçava e caía, de tanto que conheciam os caminhos. Na época de escola, pegava praia na Ribeira, em Ibicuí, na Filgueira. Eu não era muito de sair por causa dos compromissos com a escola. Era muito devotada aos estudos, eu adorava ler. Morei na vila até os 19 anos, quando me casei, e depois mudei para Muriqui, onde moro até hoje. Acordava às 5 da manhã pra pegar ônibus para Benguela, onde dava aulas e era diretora pela manhã. Saía de lá meio-dia pra pegar às 13h no Coronel, onde ficava até às 17h, indo direto pra faculdade, voltando meia-noite ou 1h da manhã, pra acordar às 4h de novo no dia seguinte. Eu adorava trabalhar na Benguela, onde era muito acolhida pela comunidade. No sábado, dormia, e no domingo tinha que fazer 30 planos de aulas para os dois colégios e os trabalhos da faculdade. Quando era criança eu queria ser atriz, mas minha mãe disse que eu tinha que ser professora. Afinal, sendo professora, consegui ser atriz e tantas outras coisas. Me realizei. Fui professora no curso de formação de professores no Montebelo. Era muito exigente e fazia questão de ensinar as futuras professoras que elas tinham que se dedicar. Nunca entrei em sala de aula triste. As outras professoras dizem que meus olhos brilham quando estou na sala de aula. Apesar de ter nascido em Mangaratiba e morar em Muriqui, meu afeto está em Conceição. Adoro o cheiro da terra, das plantas, das cachoeiras. Sinto saudades do chão de terra batida, do fogão à lenha, de ficar com o nariz preto, dos papos, dos jogos de baralho; de quando era adolescente e ia pra praia e pro forró tranquilamente, sem nem precisar de luz.

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SILVIO DOS SANTOS SOARES

SILVIO DOS SANTOS SOARES

MANGARATIBA

Nasci em 1968. Tenho família em Mangaratiba, mas nasci em Sepetiba. Sou o caçula de nove irmãos. Quando eu era criança, lembro de acompanhar meu pai, que era ferroviário e trabalhava nas estações da Rede. Passei minha infância dentro dos trens, nas praias e nas costeiras pescando siri, jererê, fazendo pesca de arrastão, aprendendo a jogar tarrafa. Quando minha família voltou do Rio de Janeiro para Mangaratiba, meu pai já estava se aposentando, e a situação financeira ficou difícil. Mas conseguimos plantar e também tirávamos o sustento do mar, das ostras, da pesca de tarrafa. Morei próximo ao pátio da estação entre 1977 e 1979. Depois mudei para Bela Vista, onde morei por um ano. Bela Vista com muito espaço, com mananciais e nascentes.Depois morei por 15 anos nos casarios atrás da igreja, número 219, onde hoje é o Bar Mix. Estudei primeiro no Coronel e depois no João Paulo II, que foi inaugurado em 1989. Antes da Rio-Santos, eu visitava os parentes em Angra atravessando na lancha Patrício, que meu avô era mestre. Tinha outra lancha além da Patrício que levava pra Angra e Paraty. Depois veio o serviço de transporte da Guanabara que levava para Conceição de Jacareí, Angra e Ilha Grande. Depois passou para o CONERJ. Prestei concurso e fui aprovado para professor do Colégio Estadual João Paulo. Entrei em um momento de renovação entre os mais antigos, que chegaram a me dar aula, e meus colegas de turma da escola, então era tudo bem família. Passei em concurso da prefeitura antes, em 1990, e estou lá desde então. Sou do cadastro técnico imobiliário e trabalho muito na descrição e na instalação dos loteamentos que pipocaram a partir dos anos 1990. O loteamento desenfreado gera empregos, mas cede de bandeja as riquezas naturais do município. Participei do processo de regulamentação de praticamente todos os condomínios dos anos 1990 em diante, vendo o impacto ambiental e o esvaziamento das famílias naturais da terra, que moravam nas áreas e foram deslocadas para o Centro de Mangaratiba. A grande maioria das famílias foi tirada das terras, não houve compra e venda. Ele não sabe sob qual argumento, mas aconteceu. Não sei bem como me envolvi com o trabalho de ajudar pessoas, mas acho que tem a ver com empatia e com o olhar pedagógico. A cidade passa por problema de moradia há décadas e quando a pessoa passa a entender isso o problema mexe mais com ela. Havia comunidades da cidade que foram formadas pela gentrificação dos loteamentos. Algumas poucas famílias vieram de fora e foram subindo o morro atrás de moradia, mas é mais uma realidade urbana. Aos poucos vão surgindo pontos de luz no meio das matas da cidade, que é a ocupação se expandindo. A partir dos anos 2000, esse aumento da ocupação foi na cidade inteira. Um exemplo é o Vista Mar, que se expandiu numa área quase inóspita, em contraste com a área ao lado, ocupada pelas pessoas mais pobres. Já concorri à vice-prefeito e circulei nessas áreas mais carentes. O que mais ouvia das pessoas era sobre a dificuldade no acesso aos serviços públicos. A Prefeitura não acompanha as ocupações, não dá estrutura, mas as pessoas se instalam mesmo assim e depois a situação fica mais difícil de estruturar, especialmente nas áreas de barranco. O Parque Bela Vista tem muitos desses problemas de acessibilidade às casas, que vão sendo construídas mata adentro através da abertura de caminhos. A ocupação se dá pela necessidade de moradia combinada com a anuência do poder público, dos políticos, que na necessidade de continuar se reelegendo, vão deixando as coisas acontecerem de forma desordenada, sem controle, sem oferecer segurança para aquela ocupação. Não é a ocupação em si que é ruim, mas a forma como ela ocorre, sem oferecer segurança no momento e depois. Sou casado com a Claudia há 22 anos. Ela é descendente de quilombola da Fazenda Santa Izabel. Aos poucos fui me integrando à comunidade do quilombo e hoje ajudo a manter a comunidade preservada. A partir de 2018, a comunidade passou a fazer uma festa pública. Em 2017, fizemos uma 'Caminhada da Resistência' e, no ano seguinte, começaram a acontecer alguns encontros. Apesar de certificados em 2016, o acesso ao quilombo ainda estava sendo dificultado pelos proprietários e pelo Incra, mas, aos poucos, eles foram conseguindo liberar o acesso. Em 2022, foi inaugurada a Festa da Banana. Ainda tem a festa caipira, da consciência negra e da primavera. Além de ser formado em Literatura, sou músico, toco violão. Eu fazia parte da Orquestra Municipal, que começou em 2001 e durou cerca de 10 anos. Era uma orquestra-escola de cerca de 25 pessoas. E a gente se apresentava nos eventos da cidade, escolas. Quando acabou a orquestra continuei tocando violão, mas só me apresento nas missas da Igreja. Me apresento onde sou “convocado” pela paróquia, mas principalmente na Nossa Senhora da Guia e na Praia do Saco. Também dou aula pela Fundação Mário Peixoto. Sinto falta das reuniões de praça, do coreto, em volta da amendoeira, tocando violão em três ou quatro músicos, batendo papo, contando piada, estudando, como na adolescência. A vida foi afastando as pessoas, mas as famílias conviviam e eu sinto falta dessa convivência.

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ADEMAR CARNEIRO MONTEIRO

ADEMAR CARNEIRO MONTEIRO

MANGARATIBA

Nasci em 1944. Sou paraibano de Guarabira e vim para Mangaratiba em 1970 em busca de uma vida melhor na época da construção da Rio-Santos pela Mendes Jr. Não tinha quase nada no local e foi muito difícil, porque chovia demais. Às vezes a gente ficava dez dias sem trabalhar por causa da chuva. Caminhões atolavam e ficavam o dia todo para conseguir desatolar e os funcionários seguiam a pé. O trecho entre Santa Cruz e Muriqui foi feito pela empreiteira Rabelo e foi o caos. Ônibus e caminhões muitas vezes precisavam ser puxados por tratores. Eu trabalhei no trecho entre a ponte de Muriqui e a chegada em Conceição de Jacareí. Em relação à construção da estrada, algumas pessoas reagiam muito bem e outras muito mal, uma vez que a empresa teve que desapropriar e indenizar muitas famílias que tinham suas casas na rota da estrada, e aqueles terrenos às vezes era tudo o que eles tinham. O alojamento era muito difícil, com briga todo dia e toda noite. A alimentação era muito ruim. Os peões se revoltavam com a qualidade da comida e quebravam as coisas quase todos os dias. Logo percebi que não dava pra ficar ali. A Rio-Santos trouxe um pique de progresso, mas trouxe problemas em paralelo, como as invasões que não eram bem invasões, já que foram convenientes para o momento. Pessoas tiravam proveito disso. Saí do acampamento e fui morar no Bela Vista, onde estou até hoje. Quando cheguei, tinham poucas casas e eu conhecia todo mundo. A rua era de chão, foi calçada bem depois. Um pouco além da minha casa não tinha mais rua, era uma trilha. Não tinha luz. Para ter energia em casa tive que colocar, por conta, mais de 300 metros de fio. A água é de nascente até hoje, vinda de uma rede de abastecimento da CEDAE que foi construída abaixo do nível da rua, então às vezes chove pouco e falta água da mina. Fiquei morando na cidade e passei a trabalhar no terminal da Petrobras da Ponta Leste, em Jacuecanga, Angra dos Reis. O transporte era muito ruim em 1975, se perdesse o ônibus para Angra de manhã não tinha outro. Eu passava a semana em Angra e voltava pra casa apenas no final de semana. Saía às 3h da manhã da segunda e voltava na sexta ou no sábado. Depois, fiquei trabalhando pela Cristiane em jornadas de 15 dias no terminal de São Sebastião, em São Paulo, e em 1979, passei para o Estaleiro Verolme. Com esses empregos longe, Mangaratiba virou praticamente uma casa de veraneio, tanto que pouca gente de meu bairro me conhece. Uma vez um rapaz de Conceição o apresentou ao Cícero, dizendo que ele era morador da cidade há muito tempo, e Cícero ficou cabreiro por não me conhecer. Os primeiros moradores do bairro chegaram bem antes de mim. Tinha pouca gente, algumas pessoas de Paraty, como uma senhora chamada Dona Antonia e o Sr. Sebastião Marrueiro, entre outros. No máximo, dez casas na minha rua, que praticamente não era uma rua. Quando saía de casa com chuva tinha que levar um sapato extra para trocar antes de entrar no ônibus, porque ficava todo atolado de barro vermelho. Hoje, tem muitas casas no bairro, muita gente de fora e desconhecidas, especialmente nas épocas de feriados. O boom do bairro aumentou dos anos 2000 pra cá, muito dessa fuga do Rio. Minha esposa é mangaratibana, com mãe de Paraty e pai português. Nos conhecemos na cidade em 1975. Tivemos um filho em 1979, que nasceu e estudou na cidade, até o final do ensino médio. Nunca tive um conjunto musical, mas cheguei a tocar em uma festa junina que acontecia no Bela Vista, que atraía gente da cidade toda e até de outras cidades. A festa tinha barraquinhas típicas, além de um palco. As pessoas dançavam no chão de terra, que levantava alta e colava nas pessoas. Meu filho, Alexandre, se formou em Educação Artística e aprendeu a tocar acordeom e mais outros instrumentos, incentivado por mim. O que desperta meu afeto por Mangaratiba, o que dá saudade, é a época em que todo mundo se conhecia, a cidade era mais entrosada e as pessoas se respeitavam.

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VICENTE DE PAULA PIMENTA DA ROCHA

VICENTE DE PAULA PIMENTA DA ROCHA

MANGARATIBA

Nasci em 1956. Mangaratiba era o quintal da minha casa, uma cidade fechada. Todos eram uma grande família. Só tinha transporte por trem e, depois, por uma empresa de ônibus que fazia a linha Mangaratiba-Rio de Janeiro, passando por Itaguaí. As famílias eram grandes e acabavam se casando entre si. Como não tinha a Rio-Santos, a ligação do município era feita também por canoa. Minha mãe era de Parada Junqueira e o meu pai veio de São João Marcos com 13 para 14 anos e foi trabalhar na empresa Sul Fluminense de Navegação, do Sr. Dib Jorge Simão. Ele acabou se tornando mestre de lancha, e fazia a ligação Mangaratiba-Jacareí-Angra-Paraty, uma viagem que saía às 8h e chegava em Paraty às 20h se o mar estivesse calmo e fosse tudo bem. Eles também subiam o rio da Ingaíba com chatas para buscar mercadorias dos produtores como bananas, cocos etc. A ligação da capital, na época Niterói, ou do Rio de Janeiro, com Paraty era apenas por Mangaratiba. Não tenho certeza sobre a família da minha mãe, mas sei que eles estavam na terra há muito tempo, eram caiçaras, e a família acredita que ela era neta de indígenas. Estudei no Coronel no primário e depois no Colégio Mangaratiba, do Professor Barros, até o ginasial. Terminei os estudos em Santa Cruz. Servi o exército e fiz faculdade no Rio, mas ia e voltava todos os dias. Na época da faculdade, fundamos uma associação: o Grêmio Estudantil Mangaratiba, Greman. Fui o primeiro presidente. No tempo de criança, Luciano Cariço e eu fazíamos todas as atividades da paróquia, inclusive lavar a igreja, preparar missa, colher lírios no charco que ficava ao lado do cemitério da praia do saco, onde hoje fica uma empresa de ônibus. Os coroinhas competiam para ver quem fazia mais pontos, que o Padre somava. Se aprontassem, perdiam os pontos. A gente também vendia doces da Dona Aída pela na rua. Naquela época todo mudo tinha apelido. O do meu pai era Bolão ou Pequenino. Formei advogado e estou aposentado como Procurador Municipal e também como advogado também. Lembro que havia também as festas religiosas: Itacuruçá tinha a Festa de Sant'Anna, Muriqui a de Nossa Senhora das Graças, Mangaratiba a de Nossa Senhora da Guia, na Serra do Piloto tinha duas: São João Marcos e Nossa Senhora Aparecida. Jacareí tinha a Nossa Senhora da Conceição. Nessas festas, a banda de música 'Furiosa' ia sempre tocar e as pessoas se deslocavam para essas festas, um pouco menos a de Jacareí, porque dependia de barco. Lembro que na ponte tinha um guindaste onde a criançada pulava, mesmo sendo proibido. Seu Durval, que trabalhava na Sul Fluminense, volta e meia dava uma corrida nas crianças. A gente brincava de pique na ponte e se escondia embaixo das escadas, que eram ocas, então parecia que tinha sumido debaixo d’água. Na praça também tinha um pé de groselha que o jardineiro, Seu Juvenal, não deixava a gente subir na árvore para colher as maduras. A gente gostava de jogar bola na praia, tinha futebol de manhã à noite. Daí o mar mudou quando a população começou a crescer. A Praia do Saco era tudo mangue, que tem essa função de filtrar e repovoar o mar, e só tinha a estrada para a Serra do Piloto. Aí o bairro foi sendo aterrado e ocupado e o mangue acabou. Começou a pescaria de camarão por arrasto, que desce 15 cm a 20 cm na lama e acaba com tudo. Isso foi no final dos anos 1980. Na Praia do Saco, se pegava camarão com peneira de obra. Os pescadores chegavam com os barcos carregados e os camarões que caíam na areia eles não recolhiam. Uma canoa trazia 200 kg a 300 kg de camarão. Acho que meu casamento foi o único da cidade a ser realizado por uma irmã de caridade porque na época a igreja estava sem padre. A cidade teve três jogadores que foram para o futebol profissional: Caxixa, que jogou no Botafogo e foi barrado pelo Garrincha, Bauer, que jogou no Fluminense, e João Francisco, que depois fez carreira como técnico. Ele voltou depois para ser técnico no Grêmio de Mangaratiba e classificou o time para a 2ª divisão no Estadual. Eu acho que uma das coisas que fez com que a adesão às tradições diminuísse foi a televisão. Antigamente, tinha gente jogando de manhã na Ribeira, de tarde em Mangaratiba, de noite na quadra, e domingo no campo, hoje é normal não ver ninguém jogando por dias. Toda quarta-feira tinha um encontro de veteranos à noite na quadra, que acabou. Hoje em dia tem jogos passando na televisão todos os dias da semana. No carnaval, acho que é a mesma coisa. Antes, as pessoas tomavam café, saíam pra rua, voltavam para almoçar, depois iam para rua de novo e só voltavam pra dormir. Hoje fica todo mundo dentro de casa, na TV e no computador. Antes da Rio-Santos, os distritos ficavam mais conectados à Vila. Depois, Itacuruçá acabou ficando mais perto de Itaguaí, Jacareí ficando mais perto de Angra, sobrando a Vila, Muriqui e Serra do Piloto, que começaram a se distanciar uma das outras. Eu sinto falta das crianças brincando na praça, subindo em árvore, correndo soltas. Eu saio caminhando todos os dias até a Praia do Saco e quando vejo as crianças das escolinhas de vôlei e de futebol me encho de alegria.

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GILSARA PEREIRA GOMES

GILSARA PEREIRA GOMES

Praia Grande

Nasci em 1957. Meu pai era dono do único comércio de Praia Grande, um barzinho. No bairro, tinha festa junina e o organizador era o Luiz Antonio. Organizava as quadrilhas das crianças e dos adultos, barraquinhas e, no carnaval, a concentração dos blocos era no bar dele. Na minha infância, lembro de pegar muito tatuí. Eu era muito moleque, ficava brincando na rua o dia todo e quando chegava em casa tinha sempre muita gente pra fazer as coisas da casa, pois eram 11 irmãos, então eu nem me preocupava e só brincava. Eu não gostava de tomar banho nem de arrumar o cabelo. Tinha que fazer tranças por ordem da minha mãe para ir pra escola, mas quando eu chegava na estação de trem eu desfazia tudo. E se não fosse para escola e fizessem a trança, apanhava. Os homens nos viam na rua e falavam: “Menina de trança não é mais criança”. Na minha época de criança apareciam muitos cavalos soltos e às vezes começavam a correr, do nada. O meu pai dizia: “Gente, vem ver que o saci tá aí!”. A nossa casa tinha muita assombração. Uma vez, quando eu tinha uns 17 anos, estava na praia no fim de tarde pra pegar tatuí com minha irmã, tia e meu irmão. Quando chegamos no meio da praia apareceu um “homem” do mar, pretinho, peludo. Não tinha braço, apenas pernas e uns dentes pequenos. Alertei minha irmã para correr, mas ele pegou o dedo dela, começou a rosnar e puxar. Ameacei chamar meu pai, mas desisti. Falei pra minha tia fazer uma corrente para puxar a minha irmã pra longe do bicho, que foi embora. Logo em seguida apareceu meu irmão trazendo meu pai com a espingarda e outros homens do bairro pra tentar pegar o bicho, mas ele não apareceu mais. Conto essa história para todo mundo e dizem que era um Xangô do Mar. Nesse ponto da praia eu nunca mais tomei banho de mar. Na juventude, eu fugia muito de casa pra ir pras festas. Bebia e chegava em casa torta de madrugada e minha irmã chamava minha atenção. A minha mãe perguntava se eu tinha bebido e eu respondia: “Bebi, mãe. A senhora quer me bater?” e cruzava os braços e deixava a mãe bater, só pra não perder a festa. Outra história: um dia chegou um homem viajante vestido de mulher. E a gente não percebeu que era um homem. Pediu comida, minha mãe fez. Então ele disse que precisava ir ao Sahy e pediu para que uma das filhas o acompanhasse e minha mãe falou que ele podia escolher. Ele me escolheu e eu me recusei! Só depois a gente soube que ele tinha sido atropelado e estava no hospital da cidade, aí descobrimos que não era mulher.

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GELCIRA PEREIRA GOMES

GELCIRA PEREIRA GOMES

Praia Grande

Eu nasci em 1961 e sou irmã da Gilsara. Nossa família sempre viveu na Praia Grande. A gente ficava muito à vontade. As casas eram poucas e afastadas umas das outras. Só tinha mato e a rua principal de terra. A iluminação era de lampião e a água era de cachoeira, encanada. É assim até hoje. Era um tempo muito bom. Minhas irmãs e eu íamos e voltávamos da escola em Muriqui no trem Macaquinho, de madeira. Ia pra estação e ficava esperando, pegava o trem me escondendo do condutor, para não ser cobrada. Meu pai tinha um bar. Único comércio que vendia comida e salgadinhos, foi aberto por volta de 1965. Depois foi passado para o filho, o esposo de Irene. O casamento lá foi à luz de gerador. Ninguém tinha televisão. Com a Rio-Santos e a eletricidade, as pessoas de fora começaram a chegar, comprar terrenos e construir. O bairro foi aumentando. A gente morava em uma casa enorme. Acordava cedo e via os pescadores nas canoas, todos os dias. A gente corria para a praia para pegar peixes. Nossa família fazia muitas festas no bairro. Meu pai era caçador, ia para a mata à noite, dormia lá e voltava de manhã com gambá, ouriço, porco do mato. Ele juntava todo mundo pra comer depois. Meu pai era analfabeto e o dono da casa ficava perturbando ele. Os filhos não deixavam eles conversarem sozinhos porque sabiam da intenção do dono, Seu Marcílio. Aí ele foi se irritando até que um dia que o dono pegou pra conversar sozinho, botou a impressão digital dele num documento e despejou a família, do dia pra noite. Era uma casa de pedras da época da escravidão. Nós compramos um terreno em frente, às pressas, no dia seguinte, para ter pra onde ir. Construímos a casa lá. Eu já ajudava na cozinha do bar e em 1988 comecei a trabalhar como servente na Escola Municipal Praia Grande, que tinha acabado de ser municipalizada. Era um prédio só e tudo era mato em volta. A frente da escola era na rua da praia. A diretora era Rita Elza. Luiz Antonio pediu então que a prefeitura mandasse uma equipe de manutenção, para limpar tudo, e elas pudessem botar a escola em funcionamento. Depois da última enchente, tudo foi reorganizado, a escola foi ampliada, e as coisas melhoraram. Nem tinha alunos na escola nessa época. A partir dessa reordenação que colocamos os filhos pra estudar ali. Lembro com afeto da época do trem. Lembro também que minha mãe era uma mulher que gostava de cuidar e de ajudar os outros. Era uma mulher muito querida por todos, acolhia todo mundo em casa, mesmo sem conhecer. Dizem que puxei isso dela. Uma vez, minha mãe acolheu um homem estranho que bateu na porta. Era muito feio e a gente ficou com medo, pedindo pra ela não abrir a porta, mas ele disse o nome do Seu Januário e ela abriu. Ela colocou o homem sentado, fez jantar pra ele, arrumou uma cama pra ele dormir. Eu não consegui dormir com ele em casa. Ele fazia barulhos estranhos e eu pensava que ele ia me pegar. Pedia pra mãe mandá-lo embora. Depois disso, ele ficou no bairro e morou muitos anos na Praia Grande, era o Sr. Levi.

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